Afinidades cultivadas

Aproximação entre os países dos Brics rende frutos científicos, mostra estudo

artigo publicado na Revista Pesquisa FAPESP

BRUNO DE PIERRO | ED. 227 | JANEIRO 2015

Em julho de 2014, o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) criou um banco de desenvolvimento com capital de US$ 50 bilhões para financiar obras de infraestrutura de interesse comum. Assim como na economia, a aproximação dos cinco países rende frutos no âmbito da ciência – e ajudou a alavancar colaborações de pesquisa. É o que mostra um estudo divulgado na edição de dezembro da revista Scientometrics, ao analisar a produção de artigos científicos e de trabalhos publicados em conferências escritos em coautoria por pesquisadores de países do bloco, entre 1996 e 2012. “O objetivo da pesquisa foi investigar a força das colaborações científicas entre os Brics. Observamos que o advento do bloco teve um papel nesse processo”, diz Ugo Finardi, pesquisador do National Research Council da Itália e autor do trabalho, que analisou artigos publicados em mais de 20 mil periódicos indexados na base de dados Scopus, da editora Elsevier.

O estudo mostra que, em 2000, cerca de 8% do total de trabalhos de autores brasileiros publicados com pesquisadores do mundo todo foi feito em colaboração com colegas dos Brics. Já em 2012 esse percentual havia subido para 14%. Embora não figure como o principal parceiro dos demais países do grupo, o Brasil tem cooperado em áreas nas quais se destaca, como nas ciências médicas e da saúde. Nos últimos anos, por exemplo, cresceu a afinidade com a África do Sul nesses campos do conhecimento, dado que surpreendeu Finardi. “A forte colaboração entre Brasil e África do Sul em ciências médicas possivelmente decorre do interesse comum em desenvolver novos tratamentos para doenças negligenciadas, como malária e Chagas, e também para a Aids”, afirma.

A Rússia, no entanto, é o país dos Brics com o qual os pesquisadores brasileiros mais interagiram. No total, somam-se mais de 3.777 artigos publicados em coautoria entre 1996 e 2012, em áreas como matemática, física, química, ciências biológicas e agrícolas e ciência dos materiais. Para Edgar Dutra Zanotto, coordenador do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a relação do Brasil com a Rússia é direcionada para as ciências básicas e áreas específicas nas quais os países têm experiência e interesses em comum. Ele cita o caso da pesquisa com vidros. “A Rússia é uma potência na área de vidros há mais de 30 anos. Para quem pesquisa nucleação e crescimento de cristais em vidros e suas propriedades físico-químicas, estar em contato com pesquisadores russos é fundamental”, diz ele. Cerca de 25% dos 200 artigos de Zanotto catalogados na base Scopus desde 1977 foram escritos em coautoria com russos, alguns radicados nos Estados Unidos.

A exemplo dos sul-africanos, a experiência brasileira em ciências médicas também tem motivado a vinda de russos ao país. Em outubro de 2010, o neurocientista russo Vassiliy Tsytsarev, atualmente na Escola de Medicina da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, passou uma temporada no laboratório de Esper Cavalheiro, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio da FAPESP, na modalidade auxílio visitante do exterior. Nascido e formado na Rússia e com passagens pelo Japão, onde fez dois pós-doutoramentos, Tsytsarev mora desde 2005 nos Estados Unidos, onde trabalha com modelos animais para estudos de epilepsia. Há tempos ele se corresponde com Cavalheiro, cuja produção científica já conhecia. “Os russos sempre foram orientados a colaborar com países da Europa ocidental e com os Estados Unidos, mas agora muitos estão atentos a oportunidades de colaboração internacional com o Brasil”, diz Tsytsarev.

A preferência por colaborações com pesquisadores de países centrais é um dos pontos discutidos no estudo de Finardi. O italiano observou uma forte interação dos Brics com os Estados Unidos e a Alemanha e verificou que os cinco países ainda colaboram mais com as duas potências da ciência do que entre si. No caso do Brasil, mais de 20% dos trabalhos em coautoria são resultado de cooperação com norte-americanos. Para Elizabeth Balbachevsky, professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), os grandes centros de pesquisa mundiais seguem numa posição de superioridade em relação aos Brics. “Apesar do aumento da produção científica em países emergentes, a qualidade da pesquisa é bem mais forte nos Estados Unidos e na Europa. Seria contraproducente para um país emergente dar prioridade a parcerias com centros também emergentes”, diz ela.

A China parece saber bem disso. Trata-se do único país do bloco que praticamente manteve o percentual (4,6%) de artigos publicados em coautoria com outros membros dos Brics em toda a série histórica analisada. A África do Sul, por outro lado, apresenta o maior índice de artigos publicados com outros Brics, aproximadamente 11%. “A África do Sul é o único do bloco que tem o sistema de pesquisa menos consolidado, em parte porque passou muitos anos isolada por conta do apartheid. A articulação com os outros Brics representa para o país uma forma de ganhar espaço, aos poucos, na rede de pesquisa mundial. É uma porta de entrada”, avalia Elizabeth Balbachevsky.

Embora priorize outros países, a China continua na posição de principal colaboradora com os Brics (ver gráfico). A parceria que rendeu o maior número de artigos científicos, por exemplo, foi entre China e Rússia, que totalizou 6.343 artigos publicados em coautoria. “É claro que, quanto maior a produção científica do país, maior é a probabilidade de colaborar com outras nações”, explica Finardi. E no caso de China e Rússia, diz ele, ambos têm um grande número de pesquisadores. “A força da relação entre os dois países também é explicada pelo passado em comum de regimes socialistas”, completa. A China é o segundo do bloco com o qual o Brasil mais se relaciona, especialmente nas áreas de engenharias, ciências sociais e humanidades, seguida pela Índia e por último pela África do Sul.

Segundo Peter Schulz, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma contribuição do trabalho de Finardi é mostrar que as relações do Brasil com a Índia e a África do Sul são mais fortes do que se supunha. “Os dados levantados na pesquisa podem, assim, ser úteis para justificar a criação de programas de colaboração entre esses países, como o Programa de Apoio à Cooperação Científica e Tecnológica Trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul (Ibas)”, diz ele. Inaugurado em 2003, o programa lançou projetos em várias áreas da ciência, como nanotecnologia, cujas pesquisas atualmente estão suspensas, aguardando novo financiamento.

Durante alguns anos foram estabelecidas parcerias, especialmente entre brasileiros e sul-africanos na área de nanotecnologia. “Esta área tem crescido na África do Sul e apresenta um nível de desenvolvimento científico parecido com o nosso”, diz José Antonio Brum, professor da Unicamp e coordenador adjunto de Programas Especiais da FAPESP. Ele foi o responsável pela área de nanotecnologia dentro do programa Ibas no Brasil e, nos últimos quatro anos, acompanhou de perto o avanço sul-africano nesse campo ao integrar o Conselho Nacional de Nanotecnologia daquele país. “Os pesquisadores de lá têm muitos projetos para o desenvolvimento de estruturas nanométricas para filtragem da água, um assunto que certamente interessa aos brasileiros em tempos de seca”, diz Brum.

A professora Sílvia Guterres, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), teve contato com pesquisadores sul-africanos, no âmbito do Ibas, mas não pôde levar adiante a parceria por conta da interrupção do programa. “Iríamos trabalhar em conjunto no desenvolvimento de novas moléculas para o tratamento de doenças negligenciadas”, diz Sílvia. Segundo Brum, o Brasil precisa ficar atento ao potencial de colaboração com países emergentes, uma vez que compartilham problemas de pesquisa comuns. “A questão é estratégica. É preciso identificar o que cada país tem de melhor e então estabelecer diálogos”, diz ele.

Um exemplo de aproximação entre os Brics foi a edição do simpósio internacional FAPESP Week realizado na China em abril do ano passado. Uma missão precursora visitou a China duas vezes para sondar temas e conhecer interlocutores. “A interação entre a ciência brasileira e a chinesa ainda é incipiente em muitas áreas. E a China é um lugar estratégico para qualquer pessoa que faz pesquisa”, afirma o físico Marcelo Knobel, professor da Unicamp e coordenador adjunto de colaborações em pesquisa da FAPESP. Entre as áreas em que os dois países poderiam colaborar mais efetivamente destacaram-se ciência dos materiais, nanotecnologia, energias renováveis e ciências agrárias. “Cada vez mais se sabe que as cooperações sul-sul, entre países em desenvolvimento, são fundamentais para diversificar a ciência”, diz Knobel.

Em seu laboratório na Unicamp, Knobel mantém diálogo frequente com russos, chineses e indianos. Um deles é Surender Kumar Sharma, da Himachal Pradesh University, na Índia. Atualmente, ele é pesquisador visitante no Departamento de Física da Unicamp, onde realiza o pós-doutorado em materiais nano-híbridos – nanopartículas que combinam material magnético e metal, com possíveis aplicações na construção de equipamentos médicos. Sharma conheceu Knobel em 2007, por intermédio de Ravi Kumar, seu orientador no doutorado, que já colaborava com o brasileiro. Em 2008, ele veio ao Brasil, com apoio da FAPESP, e desenvolveu um projeto sobre nanoestruturação usando feixes de íons. De lá para cá, a colaboração com Knobel se intensificou. “Seria bom se os Brics criassem novos programas de intercâmbio. Juntar esforços para qualificar a pesquisa deve ser a meta dos cinco países”, diz Sharma.

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Cozinha molecular

Equipe de Campinas cria receita de nanopartículas de prata e magnetita

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IGOR ZOLNERKEVIC | ED. 227 | JANEIRO 2015

A receita é simples. Misture sais minerais contendo prata e ferro com solventes orgânicos. Leve ao forno, aqueça cuidadosamente por cinco horas e voilà: um pó marrom, feito de grãos minúsculos, visíveis apenas com um microscópio eletrônico. Cada grão é formado por blocos com forma de paralelepípedo e dimensões da ordem de milionésimos de milímetros ou nanômetros (nm). A receita para sintetizar esses blocos foi criada por uma equipe liderada pelos físicos Kleber Pirota e Marcelo Knobel, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que os apelidaram de nanopartículas do tipo tijolo.

É a primeira vez que pesquisadores fabricam nanopartículas com formato de tijolo feitas de magnetita, o mineral dos ímãs de geladeira, contendo no interior um pequeno caroço de prata. “A forma, o tamanho nanométrico e a inclusão da prata intensificam as propriedades magnéticas da magnetita”, explica Pirota. “Além disso, a prata tem propriedades ópticas e bactericidas interessantes.”

Os físicos esperam que o novo nanomaterial seja útil à medicina por sua potencial ação bactericida e talvez para aprimorar uma nova terapia contra o câncer chamada de magneto-hipertermia. Em fase adiantada de testes clínicos na Europa e nos Estados Unidos, a magneto-hipertermia usa atualmente nanopartículas feitas só de magnetita, que são injetadas no sangue para combater algumas formas de câncer. A magnetita dessas nanopartículas é recoberta de moléculas capazes de grudarem apenas na superfície de células de tumores. Uma vez aderidas ao tumor, elas são chacoalhadas por um campo magnético oscilante. O atrito gerado pela agitação das partículas aquece as células tumorais até a morte. “A hipertermia pode queimar tumores em estágio inicial, sem prejudicar as demais células do organismo, como fazem a químio e a radioterapia”, explica Knobel, esclarecendo que seus nanotijolos de magnetita com prata seriam capazes de vibrar com mais intensidade do que as nanopartículas maiores e disformes, feitas apenas de magnetita e usadas nas terapias experimentais.

Para chegar à receita, os físicos da Unicamp trabalharam nela por quase 10 anos por meio de projetos financiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “É meio como cozinhar: primeiro põe isso, depois aquilo e vai mudando a receita até acertar”, diz Knobel. “Chegamos ao resultado graças a muita experiência e um pouco de sorte.”

De início, sua equipe usou as estratégias que todos os pesquisadores de nanomateriais geralmente adotavam para fabricar nanopartículas feitas de um metal nobre coberto por uma casca magnética. Fabricavam primeiro os “caroços”, aquecendo um sal de prata dissolvido em líquido até seus íons cristalizarem em nanopartículas com até 20 nm de diâmetro. No dia seguinte, os pesquisadores misturavam as nanopartículas de prata com sais ricos em ferro e aqueciam a solução, na esperança de que cascas grossas de magnetita crescessem em volta das nanopartículas.

Nanoflor
O resultado da receita em dois passos, porém, não eram nanopartículas do tipo “casca-caroço”. Em vez disso, era uma mistura de nanopartículas do tipo “flor”, com um miolo de prata cercado por “pétalas” de magnetita. “O núcleo de prata sempre ficava exposto, nunca conseguíamos cobri-lo com uma casca de magnetita”, explica Pirota. “Essas nanopartículas são interessantes para certas aplicações, pois a prata é bactericida. Mas não para a hipertermia, pois o caroço libera íons de prata que podem danificar outras células além das tumorais.”

Os físicos notaram, porém, que, quanto menores as nanopartículas de prata, mais pétalas de magnetita cresciam ao seu redor. O químico Román López-Ruiz e o físico Diego Muraca, colegas de Knobel e Pirota na Unicamp, tiveram então a ideia de “cozinhar” os sais de prata e ferro de uma vez só para impedir que as nanopartículas de prata crescessem demais. Assim, López-Ruiz e a mestranda Maria Eugênia Brollo finalmente prepararam a receita perfeita: aqueceram a solução com os sais por 40 minutos até atingir 200 graus Celsius, mantiveram essa temperatura por duas horas até pequenos caroços de prata se formarem e, em seguida, aqueceram por mais 20 minutos até 260 graus, mantendo essa temperatura por mais duas horas.

Santiago Figueroa, físico do Laboratório Nacional de Luz Síncroton, confirmou a presença de magnetita ao redor do caroço usando técnicas de luz síncrotron e Muraca obteve imagens das partículas em um microscópio eletrônico no Laboratório Nacional de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Os nanotijolos têm 13 nm de largura por 15 nm de comprimento, com uma espessura um pouco maior que o diâmetro da esfera de prata em seu interior (cerca de 4 nm).

Ainda não se sabe por que a receita funciona nem o motivo do formato retangular das nanopartículas. Os pesquisadores suspeitam que as nanopartículas de prata com tamanho inferior a 10 nm deixam de ser bons metais condutores de eletricidade. Abaixo desse tamanho, a prata se torna um material que isola cargas elétricas em sua superfície. Essas cargas ajudariam a aglomerar a magnetita ao redor, criando um tijolo de magnetita compacto e homogêneo. “Estamos tentando verificar essa hipótese”, diz Pirota.

“Ainda é cedo para saber se esse material tem potencial para ser usado na hipertermia magnética”, observa o físico Andris Bakuzis, da Universidade Federal de Goiás. Bakuzis coordena uma colaboração de 25 pesquisadores da região Centro-Oeste que usa nanopartículas em testes pré-clínicos de novas terapias médicas, incluindo a hipertermia. “O ferro da magnetita é absorvido e reutilizado pelo corpo, mas a prata é tóxica.”

Pirota está ciente da dificuldade. “Mesmo com o caroço totalmente envolto, íons de prata ainda podem atravessar a magnetita”, explica. Trabalhos de outros pesquisadores sugerem até que, estranhamente, o efeito bactericida de uma nanopartícula de prata totalmente coberta por magnetita seja até maior que o de uma nanopartícula apenas de prata. “Se esse resultado for confirmado”, conclui Bakuzis, “essas partículas podem ter grande potencial bactericida”.

Artigo científico
BROLLO, M. E. F. et al. Compact Ag@Fe3O4 core-shell nanoparticles by means of single-step thermal decomposition reaction. Scientific Reports. v. 4, n. 6839. 9 out. 2014.

Para avaliar a proposta de Universidades gratuitas do Obama, procure por lições do exterior

Ver reportagem completa no The Chronicle of Higher Education

 

Acesso à Educação Superior no Brasil

Widerning Partipation and Lifelong Learning

Veja artigo recente em Access to Higher Education in Brazil, publicado na revista Widening Participation and Lifelong Learning

Dicas para se tornar um professor no YouTube Edu

O YouTube Edu é uma sala de aula do tamanho do mundo, com os melhores professores do Brasil. E está em busca de novos professores como você. Por isso, acabamos de lançar uma websérie tutorial com tudo o que você precisa saber para se tornar um professor do canal.

Em três episódios de aproximadamente seis minutos cada, quatro professores do YouTube Edu que começaram a dar aulas em escolas e hoje têm milhares de seguidores em seus canais explicam como fazem suas vídeoaulas. Eles abordam temas desde como falar com seu público alvo até como criar o roteiro de sua aula e como garantir imagem e som de qualidade.

Assista aos vídeos e faça do mundo sua sala de aula!

Episódio 1:

 

Episódio 2:

 

Episódio 3:

Ao se inscrever no canal, você terá acesso a centenas das melhores videoaulas disponíveis em português – e pode usá-las de fonte de inspiração para tornar suas aulas ainda mais divertidas e para criar o seu próprio canal!

Acesse e inscreva-se: www.youtube.com/edu

Sobre o YouTube Edu
A Fundação Lemann e o Google Brasil lançaram, em 2013, o YouTube Edu – uma plataforma para selecionar e reunir os melhores criadores de conteúdo educacional do YouTube. O canal funciona como um filtro, reunindo aulas de altíssima qualidade, de maneira organizada e disponível para todos, gratuitamente. E, para os educadores, oferece a oportunidade de entrarem em um grande espaço que valoriza essa nova maneira de ensinar, com o selo de qualidade YouTube Edu.

Perigo Iminente para as Universidades do Estado de São Paulo

Ver o text original em “The World View” – Inside Higher Education

Mostra itinerante “Strange Matter Green Earth”

Strange Matter Green Earth

Esta é uma nova exposição sobre materiais e um futuro sustentável, que está sendo organizada pela Materials Research Society, e na qual estou envolvido. Confiram mais informações no site.

Vejam também o video.

 

 

Nanopartículas caroço-casca compactas de Ag@Fe3O4 por meio de reação de decomposição térmica em uma etapa

Figure 1

Artigo na revista Scientific Reports

Brasil enfrenta desafio de melhorar qualidade e oferta em ensino superior

Publico

O Brasil tem atraído muita atenção como uma forte economia emergente. Com um produto interno bruto de aproximadamente 2,2 trilhões de dólares em 2012, o Brasil é considerado a sétima economia do mundo. É também o país mais populoso da América Latina, com aproximadamente 200 milhões de habitantes. Apesar de avanços importantes nas últimas décadas, a desigualdade permanece em níveis alarmantes no país.

Após ter alcançado cobertura total na educação primária, o Brasil está agora lutando para melhorar a qualidade e os indicadores do sistema. O cenário da educação pós-secundária também está mudando rapidamente, dependendo de um balanço complicado entre sua história e tradição, desenvolvimento econômico, regulação e acreditação. A educação superior tem um papel fundamental nos enormes desafios que o Brasil tem de enfrentar para assegurar um crescimento econômico sustentável e com justiça social.

Organização do sistema pós-secundário

O Brasil tem um sistema educacional pós-secundário bastante peculiar, com um número relativamente pequeno de universidades de pesquisa públicas (federais, estaduais e até municipais), que são completamente gratuitas para os estudantes. Existe um número grande de instituições privadas, que podem ser com fins de lucro ou sem fins de lucro, na sua maioria ligadas a alguma instituição religiosa. Quase dois terços das instituições privadas são com fins de lucro, muitas delas com qualidade questionável. Há ainda um pequeno, mas crescente, segmento de educação pós-secundária vocacional e técnica, que atualmente responde por aproximadamente 10% das matrículas em educação superior no país.

A diferenciação no sistema privado resultou de uma lei de diretrizes da educação aprovada nos anos 90. As instituições privadas podem ser com ou sem fins lucrativos, e podem ser faculdades isoladas, centros universitários (aglomerando diversas faculdades, com foco no ensino), ou universidades (que realizam alguma pesquisa). Os centros universitários supostamente teriam de ter professores mais qualificados que as faculdades isoladas, assim como melhores programas (graças à autonomia dada para a criação de novos programas). Entretanto, três quartos desses centros são com fins lucrativos, e a qualidade foi sendo minada pelo mau uso da autonomia em nome de objetivos menos nobres.

As instituições de educação superior estão organizadas de acordo com a antiga tradição europeia. Os estudantes de graduação escolhem suas carreiras antes de realizar os exames de ingresso (o temido vestibular). Uma vez aceitos para o curso específico, é extremamente difícil mudar de carreira, a menos que o estudante reinicie todo o processo, desde o ingresso. Há, entretanto, algumas experiências inovadoras com currículos mais gerais, que permitem maior interdisciplinaridade, mais mobilidade e uma escolha profissional mais madura por parte dos estudantes. Convém destacar os bacharelados interdisciplinares (bons exemplos são os da Universidade Federal do ABC, Universidade Federal da Bahia, e da novíssima Universidade Federal do Sul da Bahia), e o Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Expansão com desigualdade

Em 2012, o Brasil tinha mais de sete milhões de estudantes matriculados em programas de graduação, dos quais 73% estavam em instituições privadas e 23% em instituições públicas. Há cerca de 31.866 programas de graduação diferentes, oferecidos por 2.316 instituições (304 públicas e 2.112 privadas). Além disso, o país oferece 3.600 programas de mestrado e doutorado. Em 2012, o país tinha cerca de 200 mil estudantes de pós-graduação, dos quais 93,4% estudavam em universidade públicas. Em 2010 foram concedidos 12 mil títulos de doutorado e 41 mil de mestrado.

A capacidade de matrículas das instituições públicas é limitada pelo seu alto custo por estudante e a dependência forte de fundos estaduais ou federais. De modo geral, poucos candidatos à educação superior pública são aceitos (em torno de 11% do total). O sucesso nos exames de admissão está diretamente ligado às circunstâncias familiares (por exemplo, pais com educação superior) e acesso à educação secundária de alta qualidade (geralmente privada). Assim, estudantes de famílias mais ricas têm claras vantagens sobre aqueles de famílias com menos recursos financeiros, que acabam frequentando universidades particulares menos seletivas e de menor qualidade.

Muitas universidades de pesquisa têm um processo seletivo extremamente competitivo, com um número limitado de vagas. Só para citar um exemplo, o vestibular de 2014 da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) teve aproximadamente 73 mil candidatos para pouco mais de 3,3 mil vagas disponíveis.

De um modo geral, o sistema de educação superior tem tido um crescimento sem precedentes nos últimos anos, com o número de matrículas dobrando nos últimos dez anos. De 2011 para 2012 o número de matrículas cresceu 4,4%, enquanto o número de ingressantes no ensino superior cresceu 17% (de 2,3 para 2,7 milhões de estudantes). O número de formandos é da ordem de um milhão por ano, pois há uma alta taxa de abandono. Apesar de parecerem impressionantes, estes números são ainda tímidos pelo tamanho do país, pois apenas 15% dos jovens de 18 a 24 anos estão atualmente matriculados em alguma instituição de ensino superior. Se a taxa de crescimento continuar no ritmo de 2012, o percentual de jovens no ensino superior somente vai alcançar a média da OCDE (34%) em 2022.

E a qualidade?

O Brasil tem sistemas separados para a avaliação da qualidade nos níveis de graduação e pós-graduação. O Sistema Nacional de Avaliação de Educação Superior (Sinaes) avalia as instituições e cursos de graduação, que inclui um teste nacional para avaliação dos conteúdos, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Os programas de pós-graduação são avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma agência diretamente ligada ao Ministério da Educação.

O Sinaes baseia sua avaliação em três fatores – institucional, programa e avaliação de proficiência dos estudantes. O Enade, realizado por estudantes que estão no último ano de graduação, testa os tópicos determinados pelos parâmetros curriculares nacionais. A avaliação dos programas e das instituições é baseada em dados coletados pelo Ministério da Educação e por autoavaliações realizadas pelas instituições. Um ciclo de avaliação completo é concluído a cada três anos. Apesar das limitações e diversas críticas, o Sinaes tem conseguido implantar a cultura de avaliação nas instituições de ensino superior, e é possível realizar comparações muito úteis entre cursos, instituições e regiões, agrupadas por diferentes critérios.

O sistema de pós-graduação aponta na direção de uma melhoria na área de pesquisa, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. A expansão da pesquisa realizado no Brasil é evidente ao verificar o número de artigos publicados nas revistas indexadas pelo Institute of Scientific Information (ISI Web of Science), que cresceu 18% nos últimos anos. Em 2009 o Brasil era o 13º país em termos de artigos nessa base de dados (32,1 mil), o que representa 2,7% dos artigos produzidos no mundo. São números notáveis, considerando que o país só aplica 1,1% de seu PIB em ciência e tecnologia, um número relativamente pequeno se comparado com outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Os principais sucessos do Brasil, em campos variados como biocombustíveis, agricultura e aviação, podem ser atribuídos ao investimento contínuo de longo prazo em universidades públicas de pesquisa, educação em nível de pós-graduação e institutos de pesquisa.

Desenvolvimentos futuros

Apesar de o Brasil ainda não possuir um sistema de educação superior integrado e diversificado, há algumas tendências importantes que estão lentamente mudando o cenário da educação superior no país. Destaca-se o crescimento dos programas técnicos/vocacionais (públicos e privados) que focam no treinamento para o mercado de trabalho em áreas e assuntos que não são oferecidos por instituições acadêmicas tradicionais. Por exemplo, as matrículas nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs) cresceram de 31 mil em 2006 para 101,6 mil em 2011. As Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatecs) tiveram um aumento de matrículas de 10 mil para 20 mil estudantes de 2001 para 2011.

Outra tendência interessante é o crescimento do ensino a distância. O número de matrículas em 2001 era de 5 mil estudantes. Cresceu para 1.114.850 em 2012, correspondendo a 15,8% do total de matriculas no ensino superior. A maior parte das matrículas da educação a distância é ainda no ensino superior privado (83,7% em 2012), mas há um esforço federal, e no estado de São Paulo, para aumentar as vagas públicas nessa modalidade.

Conclusão

A demanda por educação terciária no Brasil cresceu significativamente como resultado de diversos fatores, como aumento da cobertura em níveis anteriores, uma percepção crescente de que a educação superior é um elemento importante para ascensão social e com a introdução em anos recentes de programas de inclusão social em universidades públicas, que reservam vagas para grupos sociais e étnicos sub-representados, assim como egressos de escolas secundárias públicas. Todos os sinais apontam para um crescimento contínuo da demanda por educação superior nos próximos anos.

O Brasil certamente enfrentará o desafio de melhorar a qualidade e oferta de programas em todas as suas instituições. Isso certamente envolverá uma internacionalização crescente de suas universidades e um aumento gradual dos programas de educação a distância. O governo brasileiro, o setor privado, as instituições parceiras (em Portugal, por exemplo) e organizações sociais vão ter um papel crucial no sistema de educação superior do país nos próximos anos.

 

Artigo de opinião publicado no Jornal Público, de Portugal, em 08/10/2014.

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