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Simulando a evolução com “espécies em anel”

cover45Espécies em anel são formações raras e fascinantes. Um dos exemplos mais bem estudados ocorre com pássaros do gênero das felosas, o Phylloscopus trochiloides, em torno do platô Tibetano na Ásia. Até cerca de 10 mil anos atrás a população dessas aves estava restrita às florestas ao sul do platô. Com o fim da última era glacial a floresta se expandiu para o norte, contornando o árido platô pelo leste e pelo oeste. A população de pássaros cresceu acompanhando a expansão da floresta. Dois mil anos depois a floresta se fechou ao norte abraçando o platô e as duas frentes de expansão da população se reencontraram. No entanto, os pássaros tinham evoluído de tal forma que indivíduos pertencentes ao grupo que veio pelo leste não conseguiam se reproduzir com indivíduos vindos pelo oeste. A evolução fez surgir um “isolamento reprodutivo” entre os dois grupos, ingrediente fundamental para caracterizar a formação de espécies distintas (mais informações no site do Prof. Darren Irwin). O que torna essa população especial é que, ao longo do anel formado em volta do platô, desde o noroeste, passando pelo sul e subindo pelo outro lado até o nordeste, forma-se um contínuo genético, pois a reprodução é possível entre pássaros geograficamente próximos: só no norte, no ponto de reencontro das frentes de expansão, é que o isolamento reprodutivo se estabelece (veja a figura acima). Esse tipo de configuração espacial e genética é conhecida como espécie em anel e poucas são ainda bem conhecidas.

Por que é importante estudar espécies em anel?

Apesar de serem muito raras, espécies em anel representam uma oportunidade única para estudar a especiação, isto é, a formação de novas espécies. Quando olhamos apenas para as duas frentes que se reencontraram após muitas gerações podemos dizer que vemos duas espécies distintas, pois há isolamento reprodutivo. Por outro lado, quando olhamos para a população como um todo podemos dizer que trata-se de
uma única espécie, pois há “fluxo genético” por toda a população. Dessa forma, se uma mutação benéfica aparece em um indivíduo qualquer, ela pode se espalhar pela população, sendo transmitida inicialmente na região onde a mutação apareceu e aos poucos passada às regiões vizinhas até se fixar em toda a população depois de muitas gerações.

Nesse trabalho desenvolvemos modelos baseados em indivíduos que simulam a evolução do anel de pássaros da Ásia levando em conta geografia, genética, reprodução sexual, mutação e dispersão. As simulações descrevem de forma precisa as principais características do anel Tibetano e fazem previsões sobre o futuro do anel, que deve se quebrar em múltiplas espécies entre 10 e 50 mil anos. O estudo também corrobora o trabalho anterior feito pelo grupo que prevê especiação em populações espacialmente extensas mesmo na ausência de barreiras geográficas que interrompam o fluxo genético.

O trabalho foi realizado pela estudante de doutorado Ayana B. Martins (Instituto de Biociências da USP), orientada pelo prof. Marcus A.M. de Aguiar (Instituto de Física da Unicamp) e pelo prof. Yaneer Bar-Yam (New England Complex Systems Institute).

Veja também:

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Cobertura pela Revista Fapesp

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