Divulgação científica – Física de altas energias

Uma Breve História da Física de Partículas

        Uma das grandes perguntas feitas pela humanidade é: “Do que as coisas são feitas?” Sabemos que a resposta mais aceita na comunidade científica é: partículas! Mas de onde surgiu esse conceito e como chegamos a esse entendimento? Aqui, vamos contar uma breve história das partículas, do ponto de vista ocidental, começando pelos famosos gregos.

Onde tudo começou…

Representação de Aristóteles e seus discípulos.

National and Kapodistrian University of Athens, Public domain, via Wikimedia Commons

Os quatro elementos clássicos (fogo, ar, água, terra) de Empédocles e Aristóteles ilustrados com um tronco em chamas. O tronco libera todos os quatro elementos ao ser destruído.

Chiswick Chap, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

 

        A ideia do conceito de átomo que temos atualmente surgiu com os gregos na antiguidade, sendo Demócrito (460 a.C.) o pioneiro desse conceito. Naquela época, a questão sobre a constituição da matéria possuía um sentido diferente do que os cientistas atuais investigam. A visão de mundo dos gregos antigos estava sempre ligada à filosofia, e tudo se iniciou com os naturalistas, que buscavam desmistificar a formação do mundo através de mitos e fábulas.

        A visão mais aceita na Grécia Antiga era a ideia de unidades primordiais elementares, representadas pelos elementos: água, terra, ar e fogo. Os principais propagadores e desenvolvedores dessa ideia foram Empédocles e Anaxágoras (500 a.C.), Platão (427-342 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). A influência de Aristóteles foi tão grande que sua teoria sobre a constituição da matéria (teoria dos “mínima naturais”) dominou até o final do século XVI.

        Entre os séculos XVI e XVIII, tornou-se cada vez mais evidente a necessidade de uma nova teoria da constituição da matéria, impulsionando uma intensa busca por novos métodos e teorias. Esse período é conhecido como Revolução Científica. Nesse contexto, a teoria atômica ganhou destaque por sua simplicidade na explicação dos fenômenos, em comparação com a teoria dos “mínima”.

 

 

Modelos e Partículas

        A teoria atômica ganhou força total no século XVIII e se estabeleceu com seu primeiro modelo atômico moderno, o modelo de John Dalton (1766-1844), que definiu os elementos químicos como um conjunto de átomos.

  Modelo de Dalton.

Valkurare, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

 

 

          No modelo de Dalton, os átomos eram partículas maciças que não eram passíveis de transformação e eram indestrutíveis. Cada átomo específico era associado a um determinado elemento químico. Para Dalton, o átomo de cada elemento nunca será igual a de outro elemento qualquer e podem ser distinguidos. Contudo, os diferentes átomos poderiam formar compostos. Assim, estabeleceu-se uma conexão entre os dados quantitativos de composição química e os átomos.

 

 

 

  Modelo de Thomson.

Valkurare, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

 

 

          O modelo proposto por Thomson era de um átomo dinâmico e explicava fenômenos como espectros atômicos e radioatividade. Thomson idealizou um modelo de um átomo geral, mas que não propõe uma estrutura concreta, pois conhecia muito bem as deficiências do seu modelo.

 

 

 

 

Modelo de Rutherford.

Valkurare, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

  Modelo de Bohr.

Kurzon, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

 

 

          Enerst Rutherford (1871-1937) elaborou seu modelo atômico baseado no experimento que descreve o espalhamento de partículas alfa, que resultou na descoberta de um núcleo atômico carregado positivamente e na descoberta do próton em 1919. Ele utilizou a analogia de um sistema planetário para o seu modelo.

          Porém esse modelo traz uma deficiência em relação à estabilidade, que é resolvida por Niels Bohr (1885-1962) estipulando que os elétrons estavam em órbitas bem definidas em diferentes distâncias do núcleo, quantizando o momento angular do elétron em órbitas estacionárias e, assim também, quantizando os estados de energia do átomo.

 

 

 

Modelo de Schrodinger: Coleção de 16 orbitais atômicos de um único elétron para os quatro menores números quânticos n.

Geek3, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

  Modelo de Schrodinger: Órbitas do átomo de Hidrogênio.

Jacopo Bertolotti, CC0, via Wikimedia Commons

 

          Então se utilizando da teoria atômica de Bohr e da hipótese de De Broglie, em 1925, Heisenberg desenvolveu o princípio da incerteza. Depois em 1926, Erwin Schrodinger desenvolve a equação que descreve o comportamento de uma partícula através de uma função de onda, dando assim início a Mecânica Quântica. 

          Surgindo assim, a proposta de um novo modelo atômico, o modelo atômico de Schrodinger, onde um átomo é composto por um núcleo e uma nuvem eletrônica. O formato da nuvem eletrônica é dado pela solução da equação de Schrodinger e determinados pelos números quânticos n, m, l.

 

 

 

Teoria e Experimento de mãos dadas

               Juntamente com a evolução dos modelos atômicos, os teóricos buscavam explicar os problemas e as consequências de cada modelo, prevendo a existência de novas partículas. Por sua vez, os experimentais buscavam maneiras de detectar as partículas propostas. Assim, teóricos e experimentais, em colaboração, começaram a descobrir novas partículas.

        Em 1920, Rutherford previu a existência do nêutron, que foi detectado em 1932 por James Chadwick, para explicar a massa nuclear. Em 1928, Dirac previu a existência do pósitron (antipartícula do elétron), que teria propriedades idênticas às do elétron, mas com carga oposta. Carl Anderson detectou o pósitron em 1932. Em 1930, Wolfgang Pauli previu a existência de outra partícula chamada neutrino, para explicar a perda anômala de energia no decaimento de nêutrons. Enrico Fermi demonstrou teoricamente a existência do neutrino em 1934, e Reines e Cowan o detectaram em 1953.

        Então, acreditava-se que os componentes básicos da matéria seriam elétrons, prótons, nêutrons e neutrinos. No entanto, havia um problema de estabilidade no núcleo. Como prótons e nêutrons poderiam ficar confinados em um espaço tão pequeno? A repulsão elétrica entre eles seria tão grande que explodiria o núcleo.

        Assim, iniciou-se uma investigação mais aprofundada dos componentes básicos da matéria, para buscar possíveis explicações aos problemas que emergiram da teoria atômica. Essa busca levaria à descoberta de novas partículas, iniciando um novo estudo focado em como essas partículas interagem e suas propriedades fundamentais.

 

Explorando o Núcleo

               Em 1935, o físico teórico japonês Hideki Yukawa propôs a existência de uma nova partícula que mediaria a interação forte, responsável por manter os nucleons (nêutrons e prótons) unidos no núcleo atômico. Essa partícula foi denominada méson pi, ou píon.

        Assim, um píon poderia ser emitido por um nêutron e absorvido por um próton, ou vice-versa, fazendo com que o nêutron e o próton exercessem força um sobre o outro. Essa força foi chamada de força forte.

Cesar Lattes, 1949.

Brazilian National Archives, Public domain, via Wikimedia Commons

        Segundo a previsão de Yukawa, o píon seria mais pesado que o elétron e mais leve que o próton. Portanto, ao passar por uma câmara de bolhas com campo magnético, ele deveria ter uma trajetória menos curvada que a de um elétron e mais curvada do que a do próton.

Fotografia de rastros da câmara de bolhas de hidrogênio líquido de partículas carregadas.

Ponor, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

        Em 1936, os físicos C. D. Anderson e S. H. Neddermeyer encontraram essa trajetória na câmara de bolhas, mas a partícula encontrada não era a prevista por Yukawa. Era uma nova partícula, semelhante ao elétron, que foi chamada de múon, com cerca de 200 vezes a massa do elétron.

        Foi somente em 1947 que o méson pi foi detectado, utilizando a técnica de emulsões fotográficas em partículas cósmicas. O brasileiro César Lattes (1924-2005) teve um papel de destaque na descoberta do méson pi e é, sem dúvida, o brasileiro que chegou mais perto de ganhar um Prêmio Nobel de Física. (Para os brasileiros, foi César Lattes quem descobriu o méson pi.)

        Com isso, as seguintes partículas eram conhecidas: elétrons, prótons, nêutrons, neutrinos, pósitrons, múons e píons. Com o avanço das pesquisas em raios cósmicos e aceleradores de partículas, o número de partículas aumentou cada vez mais, e tentativas de organizar essas partículas começaram a surgir.

 

 

 

Quark e as novas partículas

             Em 1960-61, os físicos Murray Gell-Mann e Yuval Ne’eman, de forma independente, desenvolveram a primeira classificação bem-sucedida que evidenciou a conexão básica entre partículas de diferentes famílias. Como muitas partículas podiam ser agrupadas em conjuntos de oito, a classificação foi chamada de classificação octal. Podemos dizer que, assim como Mendeleev classificou os elementos químicos (tabela periódica), Gell-Mann e Ne’eman criaram uma tabela periódica para as partículas.

Mésons organizados em um octeto, de acordo com o caminho óctuplo.

I, Laurascudder, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

Bárions organizados em um octeto, de acordo com o caminho óctuplo.

I, Laurascudder, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

            Buscando aprimorar essa classificação, Murray Gell-Mann e George Zweig concluíram, independentemente, que tais padrões ocorreriam se algumas partículas fundamentais do átomo fossem formadas por partículas ainda mais fundamentais. Essas partículas ficaram conhecidas como quarks. As partículas formadas por um par quark-antiquark foram chamadas de mésons (como o píon e o káon), enquanto as formadas por três quarks foram chamadas de bárions (os bárions mais conhecidos são os prótons e nêutrons). Mésons e bárions, juntos, são chamados de hádrons. Temos também a classificação chamada de léptons, que inclui: o elétron, o neutrino do elétron e o múon.

        A teoria original dos quarks previa três tipos, ou sabores: quark up (u), quark down (d) e quark strange (s). Os prótons e nêutrons são constituídos pelos quarks u e d (próton: uud e nêutron: udd), e o quark s foi proposto para incluir a propriedade da estranheza.

        Com o surgimento dos aceleradores de partículas de altas energias, e guiados pelos resultados experimentais e pela busca por simetrias, foram propostos e descobertos o neutrino do múon (1962), o quark charm (c) (1976), o lépton tau (1975), o neutrino do tau (1978), o quark bottom (b) (1977), os bósons W e Z (1983), o quark top (t) (1995, postulado teoricamente muito antes de sua descoberta) e o bóson de Higgs (2013).

Os sabores (tipos) dos Quarks.

Ranjithsiji, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Modelo Padrão da Física de Partículas

            Pelo que conhecemos hoje, léptons e quarks são partículas elementares, ou seja, não possuem estrutura interna. Os bósons são as partículas mediadoras das interações.

Modelo Padrão das Partículas Elementares.

Cush, Public domain, via Wikimedia Commons

          Logo, tudo o que encontramos no universo é constituído por essas partículas. A teoria atual que identifica e descreve como essas partículas interagem é chamada de Modelo Padrão de partículas elementares, que consiste em um conjunto de teorias que descrevem a estrutura da matéria, como a Teoria Eletrofraca (que descreve as interações eletromagnéticas e fracas) e a Cromodinâmica Quântica (que descreve as interações fortes).

Links interessantes sobre o Física de Partículas

Conteúdos em português

Vídeos

  • Com animações e analogias muito boas, Pedro Loos, do canal Ciência Todo Dia, explica o bóson de Higgs e seus efeitos. 8min 56s

Sites para explorar

Conteúdos em inglês

Vídeos

  • Vídeo sensacional, em formato de quadrinhos, sobre o Bóson de Higgs e o trabalho de um cientista no CERN. 7min 49s
  • Vídeo sobre Cromodinâmica Quântica, a teoria que descreve a Força Forte, produzido pelo Fermilab. 7min 03s

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