Aceleradores de Partículas
O desenvolvimento de ferramentas para observar o mundo é uma das características que nos definem como humanos. Na busca por explorar o microcosmo, o microscópio foi desenvolvido, possibilitando a descoberta de microrganismos. Contudo, a humanidade não se contentou em explorar apenas os microrganismos, buscando ir mais a fundo, ao ponto de poder observar as moléculas, os átomos e as partículas subatômicas, ou seja, compreender do que as coisas são feitas e como essas estruturas minúsculas funcionam. O “super microscópio” que utilizamos atualmente para observar esses constituintes básicos da matéria são os aceleradores de partículas.
Os aceleradores de partículas têm como princípio acelerar feixes de partículas carregadas, e esses feixes são usados em experimentos de Física de altas energias para o estudo do núcleo atômico e das interações entre partículas elementares, ou como fonte de radiação síncrotron.
Os primeiros aceleradores, construídos por volta de 1929 por Van der Graaf, Cockroft e Walton, eram aceleradores eletrostáticos, que usavam o campo elétrico para aumentar a velocidade de uma partícula carregada. Em 1932, esse tipo de acelerador foi usado para acelerar prótons em direção a um alvo de lítio, e isso mostrou que os prótons desintegravam o núcleo de lítio em duas partículas alfa, o que fez com que Cockroft e Walton ganhassem o Nobel de Física em 1951 por seu trabalho na transmutação de núcleos por partículas atômicas artificialmente aceleradas. E assim, iniciou-se a era dos aceleradores.
Em meio aos avanços no estudo da Física de partículas, surgiu um obstáculo na construção desses aceleradores de partículas: era muito perigoso e inviável operar com as altíssimas voltagens necessárias para os experimentos. Então, o físico Ernest Orlando Lawrence idealizou um acelerador que, ao invés de acelerar partículas em uma seção reta, as aceleraria em uma seção circular (órbitas espirais), para que pudessem ser aceleradas várias vezes com pequenas voltagens. Esse acelerador ficou conhecido como cíclotron. Na época, o cíclotron se tornou um dos principais equipamentos para a investigação do núcleo atômico, chegando a acelerar prótons até energias de 4,8 milhões de eV. Em 1939, em reconhecimento à invenção do cíclotron, ao seu desenvolvimento e aos resultados obtidos, especialmente com a produção de elementos artificialmente radioativos, Lawrence recebeu o Nobel de Física. Hoje em dia, os cíclotrons são muito usados no tratamento de câncer, com cerca de quarenta centros ao redor do mundo realizando esse tratamento de ponta, operando cíclotrons com energias de 70 a 250 MeV. Além disso, também são usados na produção de radiofármacos através do bombardeamento de partículas em determinados alvos.
Com a evolução do cíclotron, era possível acelerar partículas cada vez mais, porém, para velocidades acima de 10% da velocidade da luz, os efeitos relativísticos se tornam relevantes. Como consequência dos efeitos relativísticos, ocorre uma diminuição do sincronismo entre o alternador e o movimento da partícula, que se agrava a cada volta, levando a energia a um valor constante. Então, um dispositivo foi criado para solucionar o problema da barreira de energia do cíclotron, levando em consideração a mudança relativística. Esse dispositivo é o sincrocíclotron. Com o sincrocíclotron, o cíclotron se tornou muito mais poderoso, conseguindo produzir feixes de partículas alfa com energia de 390 MeV (sincrocíclotron de Berkeley, 1946). Assim como no cíclotron, o sincrocíclotron precisava estar todo imerso em uma região de campo magnético, então, apesar de não haver limites para o aumento da energia obtida pelo sincrocíclotron, existiam muitas dificuldades tecnológicas e financeiras para se produzir enormes ímãs, pois, com o aumento da energia da partícula carregada, o raio de sua órbita aumenta, logo, necessitamos de um ímã cada vez maior.
Surge então uma ideia diferente e ousada em 1945, que propunha acelerar as partículas em um raio orbital fixo. Para fazer isso, era necessário variar o campo magnético conforme as partículas aceleram, fazendo assim com que a necessidade de um ímã cada vez maior fosse dispensada. Esse dispositivo ficou conhecido como síncrotron. Portanto, resolvidos os problemas de sincronia da partícula e da exigência de ímãs de tamanho e custos gigantescos, os síncrotrons são os aceleradores padrão atuais para a Física de partículas. O primeiro síncrotron foi o Cosmotron (Brookhaven, Nova York, 1952), sendo o primeiro a ultrapassar o limite de MeV, chegando a uma energia de 3 GeV. Em 1954, foi construído o Bevatron (Berkeley), operando com o dobro da energia do Cosmotron. Em 1960, o AGS (Alternating Gradient Synchrotron) substituiu o Cosmotron em Brookhaven, e este acelerava prótons a energias de 33 GeV. Agora, vamos contar como surgiu o maior acelerador de partículas do mundo, o LHC.
CERN
Após a Segunda Guerra Mundial, a ciência e a economia da Europa encontravam-se em uma situação crítica, o que ocasionou a partida de alguns cientistas para os Estados Unidos. Diante desse cenário, surgiu a ideia da construção de um laboratório de Física de altas energias, com o objetivo de diminuir o fluxo de físicos europeus que se dirigiam aos Estados Unidos. Assim, com a ajuda da UNESCO, uma série de conferências em 1950 e 1951 abriram o caminho para o estabelecimento de um laboratório internacional de Física nuclear. Em 1952, foi criado um conselho provisório denominado “Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire” (Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear), de onde surgiu a sigla CERN, que foi mantida até hoje. Em 1954, com 12 Estados-Membros fundadores, nasceu oficialmente o CERN, como Organização Europeia para Pesquisa Nuclear. Inicialmente, o CERN possuía duas metas: a primeira, mais ambiciosa e que demandaria mais tempo, seria a construção de um Síncrotron de prótons (PS) para assumir a liderança em altas energias; e a segunda, a construção de um Sincrocíclotron (SC), menos poderoso, para iniciar rapidamente a pesquisa em física de partículas e fornecer experiência na construção de um acelerador por uma colaboração europeia, fortalecendo a parceria entre físicos de várias nações.
Em 1957, o primeiro feixe foi obtido pelo Sincrocíclotron (SC), onde prótons foram acelerados com energia máxima de 600 MeV. Sendo o pioneiro do CERN, o SC teve um papel fundamental na realização dos primeiros experimentos e é o acelerador que deu início a uma série formidável de aceleradores e colisores construídos no CERN. Em 1959, o Síncrotron de prótons (PS) acelerou prótons, atingindo uma energia de 24 GeV, batendo o recorde do acelerador mais potente do mundo na época. No entanto, como vimos antes, esse recorde foi quebrado pelo AGS de Brookhaven em 1960. Posteriormente, o PS passou a ser utilizado como fornecedor de partículas para as novas máquinas que surgiriam, sofrendo modificações e aumentando a intensidade de seu feixe de prótons em mil vezes. Com suas duas primeiras metas cumpridas, o CERN partiu para o próximo passo, surgindo duas novas propostas: a construção de mais um PS, baseado no anterior, mas com energia de 300 GeV, nomeado Super Próton Síncrotron (SPS); e a construção do primeiro acelerador do tipo colisor, que seria uma máquina revolucionária e que causaria uma mudança total no desenvolvimento dos futuros aceleradores de partículas.
Até aquele momento, os experimentos realizados nos aceleradores de partículas consistiam em um feixe de partículas aceleradas direcionadas para um alvo parado, e se examinavam os efeitos das colisões. Porém, notou-se que seria possível obter energias muito mais altas se os feixes de partículas pudessem colidir de frente, um com o outro. Então, utilizando o conceito de ISR (Intersecting Storage Rings: Anéis de Armazenamento de Intersecção), que consiste em acelerar dois feixes de partículas em direções opostas, em anéis circulares, fazendo com que colidam nas intersecções desses anéis. O interesse do CERN no ISR consistia em colidir prótons a uma energia de 28 GeV cada, tendo 56 GeV de energia disponível para os resultados da colisão. Em um acelerador de alvo fixo, seria necessária uma máquina de energia 1700 GeV para conseguir o mesmo resultado. O ISR consiste em dois anéis concêntricos de ímãs com 300 m de diâmetro, onde os prótons viajam em direções opostas. Como o ISR precisava de uma grande área de terra para sua construção, o governo francês cedeu uma área ao lado do laboratório do CERN para a construção do ISR, visto que a área cedida pela Suíça não era suficiente. Assim, o CERN se tornou a primeira organização internacional que cruzou uma fronteira fisicamente. Então, em 1971, usando o ISR, o CERN fez pela primeira vez dois feixes de prótons colidirem. Esse tipo de configuração ficou conhecido como anéis de colisão ou colisores. Devido aos resultados promissores, o ISR mostrou uma nova direção para os próximos projetos. Com as experiências obtidas com o ISR, futuramente, elas foram aperfeiçoadas e utilizadas nas futuras máquinas do CERN.
O Super Prótons Síncrotron (SPS) era o projeto que ficaria na fronteira de altas energias, no lugar do PS, e era para ser construído junto com o ISR, mas devido à complexidade e divergências entre os Estados-Membros do CERN, sua construção foi adiada. Com a ideia de fazer uso do PS como injetor do SPS, o SPS, com um anel de 7 km de circunferência, começou a operar em 1976 com uma energia de 400 GeV. No entanto, devido ao longo tempo que o projeto levou para ser aprovado, o SPS já não era o maior acelerador de energia do mundo, perdendo para o Main Ring (finalizado em 1976) do Fermilab (EUA), que operava com energia de 500 GeV. Utilizando a experiência com o ISR, em 1976, o físico italiano Carlo Rubbia e seus colaboradores surgiram com a ideia de aumentar a energia do SPS, sem precisar mexer em seu tamanho, sendo necessárias apenas modificações na máquina. A ideia consistia em colidir prótons e antiprótons viajando em sentidos opostos, logo, seria necessário transformar o síncrotron de um feixe para um síncrotron colisor de dois feixes. Então, em 1978, o CERN aprovou este projeto, que ficou conhecido como SPP-S (Super Proton-Antiproton Synchrotron: Super Síncrotron Próton-Antipróton). As primeiras colisões do SPP-S ocorreram em 1981, e em 1983 foram descobertos os bósons W e Z. Descoberta que rendeu o Nobel de Física de 1984 para Carlo Rubbia e Simon van der Meer pelas contribuições decisivas para o grande projeto, que levou às descobertas dos bósons W e Z, mediadores da interação fraca. Essa conquista, além de ser um resultado muito significativo para a Física, garantiu a decisão de construir o próximo grande acelerador do CERN, o LEP (Large Electron Positron collider: Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons), cujo objetivo era produzir em massa os bósons W e Z para mais estudos.
Até este momento, a evolução dos aceleradores se concentrou principalmente em prótons, mas podemos acelerar qualquer outra partícula, incluindo elétrons. A ideia de utilizar elétrons e pósitrons (anti-elétrons) surgiu do fato de elétrons não possuírem estrutura interna, o que permite experimentos mais precisos. Podemos dizer que, ao colidir prótons, o resultado visa a descoberta de novas partículas, enquanto ao colidir elétrons, os resultados visam o estudo minucioso do comportamento e das propriedades de partículas já conhecidas. Para a construção do LEP, vários obstáculos precisavam ser superados, como o financeiro, pois quando elétrons são acelerados, há uma enorme emissão de luz síncrotron, causando grande perda de energia. Logo, para compensar essa perda, é necessário fornecer mais energia ao sistema, o que aumenta o custo da conta de eletricidade do laboratório. Então, em 1980, surgiu a proposta de usar os aceleradores existentes (PS e SPS) como injetores do LEP, o que se tornou uma grande vantagem estratégica ao manter todos os aceleradores juntos em um só lugar. O LEP, com 27 quilômetros de circunferência e quatro pontos com enormes detectores chamados ALEPH (Aparelho para LEP Física), DELPHI (Detector com Lepton, Photon e Hadron Identification), L3 e OPAL (Omni Purpose Apparatus para LEP), estudava o que acontecia em uma colisão elétron-pósitron. Tornou-se o maior acelerador de elétron-pósitron já construído, e a escavação do túnel do LEP foi o maior projeto de engenharia civil da Europa antes do Túnel do Canal da Mancha. Então, em 1989, o LEP foi ligado. O projeto possuía duas fases: LEP1 e LEP2. No LEP1, elétrons e pósitrons colidiram com energia suficiente para fornecer sua massa, por volta de 91 GeV, e o trabalho era produzir as partículas Z. Em 1995, o LEP1 chegou ao fim, dando início ao LEP2, que, com melhorias que minimizaram a perda de energia, fez a máquina atingir a energia de 190 GeV. O LEP2 tinha o trabalho de produzir as partículas W. Uma quantidade enorme das partículas Z e W foi produzida no LEP, possibilitando um estudo detalhado de suas propriedades, e confirmando as estimativas do Modelo Padrão da física de partículas. O LEP contribuiu enormemente para o estudo detalhado da interação eletrofraca. O bóson de Higgs também foi procurado na máquina, mas não foi encontrado. Então, em 2000, o LEP foi desativado, para dar lugar à construção da próxima máquina, o Large Hadron Collider, no mesmo túnel, que tinha como um de seus objetivos encontrar o bóson de Higgs.
LHC
Chegamos então ao maior acelerador de partículas de todos os tempos, o LHC (Large Hadron Collider: Grande Colisor de Hádrons). A busca pelo bóson de Higgs era fundamental para o Modelo Padrão e foi um dos principais motivos para a construção do LHC, pois seu antecessor havia falhado nessa missão, assim como o Tevatron (antes do LHC, o maior acelerador do mundo) do Fermilab. O LHC é composto por um complexo conjunto de aceleradores, incluindo alguns aceleradores antigos do CERN, um anel de 27 km com quatro detectores de partículas: ALICE, ATLAS, CMS e LHCb. O complexo conjunto de aceleradores é utilizado para acelerar as partículas inicialmente, para depois serem injetadas no grande anel de 27 km. Os detectores são os locais onde ocorrem as colisões, atingindo, nas colisões, uma energia de 13 TeV. O LHC foi construído para acelerar prótons e íons pesados. Em 2008, antes dos primeiros testes, o mundo inteiro voltava sua atenção para o LHC, com cobertura da mídia e comunicados que chegaram a causar medo na população. Rumores como o de que a “máquina do apocalipse” geraria um buraco negro que engoliria a Terra foram propagados por uma mídia irresponsável. Assim, o CERN precisou emitir uma declaração oficial informando a ausência de riscos de buracos negros e que não havia razão para pânico quando a máquina começasse a operar. Naquele mesmo ano, um novo recorde foi estabelecido, ultrapassando o Tevatron e assumindo a liderança na área de altas energias. Em 2012, cientistas anunciaram a descoberta de uma nova partícula, que poderia ser o bóson de Higgs. Em março do ano seguinte, o CERN confirmou que a partícula descoberta era o bóson de Higgs, encerrando assim uma investigação de 50 anos.
Em 2018, iniciou-se uma nova atualização do LHC, que aumentará o potencial do acelerador. Com essa nova atualização, prevista para ser concluída em 2026, será possível investigar mais profundamente a história do Universo, examinar processos muito raros e estudar a Física de partículas com muito mais detalhes. Portanto, o futuro da Física de altas energias está no LHC!
Aceleradores no Brasil
O primeiro acelerador de partículas no Brasil foi o Betatron, um acelerador de elétrons construído pelo professor Marcello Damy na Universidade de São Paulo (USP) em 1950. Na mesma época, foi construído um acelerador eletrostático do tipo Van de Graaff pelo professor Oscar Sala, também na USP. Tanto o professor Marcello Damy quanto o professor Oscar Sala foram discípulos do físico experimental russo naturalizado italiano Gleb Wataghin, que foi o físico responsável por desenvolver a Física no Brasil. Posteriormente, o acelerador Van de Graaff foi substituído pelo Pelletron, uma evolução do acelerador Van de Graaff, que começou a operar em 1972. No final dos anos 1960, iniciou-se a construção do Acelerador Linear da USP, que operou até 1993, produzindo feixes de elétrons da ordem de 70 MeV.
Atualmente, o Brasil possui o Sirius, um síncrotron de 4ª geração, localizado em Campinas (SP) e desenvolvido pelo CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais). O Sirius é a nova fonte de luz síncrotron brasileira, e também a maior e mais complexa infraestrutura científica já construída no país. A luz síncrotron é um tipo de radiação eletromagnética de alto fluxo e brilho que permite a realização de experimentos mais rápidos, com uma investigação detalhada de materiais. Essa luz é gerada quando aceleramos elétrons próximos à velocidade da luz e desviamos seu caminho por campos magnéticos. Por ter um vasto espectro, que vai da luz infravermelha aos raios X, possui grande versatilidade para realizar diversas análises e experimentos. O Sirius é um dos mais modernos aceleradores de elétrons do mundo, proporcionando o que há de mais moderno em análise de materiais e colocando o Brasil como referência nessa área.
O Brasil no LHC
Desde 1990, com base em um Acordo de Cooperação Internacional, o Brasil coopera formalmente com o CERN. Em 2024, foi concluído o processo de adesão do Brasil ao status de Membro Associado do CERN, tornando o Brasil o 1º país das Américas e o 3º país não europeu a fazer parte do CERN. A adesão do Brasil como Estado Membro Associado representa um marco no fortalecimento da cooperação científica internacional e no desenvolvimento da ciência e tecnologias de ponta do país. Assim, o Brasil se encontra em uma posição privilegiada, principalmente no contexto da física de partículas.
O CNPEM e o CERN mantêm uma colaboração desde 2020 na área de supercondutores para o desenvolvimento de componentes para o Sirius. Agora, com a associação do Brasil ao CERN, a transferência de tecnologia alcançará outro patamar.
Links interessantes sobre Aceleradores de Partículas:
- Vídeos voltados para a divulgação
- Vídeo que mostra o LHC e o ALICE. 2 min 55s
- Palestras sobre Aceleradores
- Palestra do prof. Jun Takahashi sobre o LHC. 1 h 45 min 06 s