Aceleradores de Partículas
O Super Microscópio

Videoplasty.com, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons
O desenvolvimento de ferramentas para observar o mundo é uma das características que nos definem como humanos. Na busca por explorar o microcosmo, o microscópio foi desenvolvido, possibilitando a descoberta de microrganismos. Contudo, a humanidade não se contentou em explorar apenas os microrganismos, buscando ir mais a fundo, ao ponto de poder observar as moléculas, os átomos e as partículas subatômicas, ou seja, compreender do que as coisas são feitas e como essas estruturas minúsculas funcionam. O “super microscópio” que utilizamos atualmente para observar esses constituintes básicos da matéria são os aceleradores de partículas.
Os aceleradores de partículas têm como princípio acelerar feixes de partículas carregadas. Esses feixes são usados em experimentos de Física de altas energias para o estudo do núcleo atômico e das interações entre partículas elementares, ou como fonte de radiação síncrotron. Através dos aceleradores de partículas, podemos “enxergar” e estudar as menores partículas, alcançando as estruturas mais fundamentais da matéria. No entanto, esse processo exige uma grande quantidade de energia. Por essa razão, a busca por energias cada vez maiores é constante.
A era dos Aceleradores!

Acelerador Cockcroft-Walton de 750 keV na KEK (The High-Energy Accelerator Research Organization) em Tsukuba, Japão.
Kestrel, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons
Os primeiros aceleradores, construídos por volta de 1929 por Van der Graaf, Cockroft e Walton, eram aceleradores eletrostáticos, que usavam o campo elétrico para aumentar a velocidade de uma partícula carregada. Em 1932, esse tipo de acelerador foi usado para acelerar prótons em direção a um alvo de lítio, e isso mostrou que os prótons desintegravam o núcleo de lítio em duas partículas alfa, o que fez com que Cockroft e Walton ganhassem o Nobel de Física em 1951 por seu trabalho na transmutação de núcleos por partículas atômicas artificialmente aceleradas.
E começam os Problemas… E Soluções!
1º Problema: Em meio aos avanços no estudo da Física de partículas, surgiu um obstáculo na construção desses aceleradores de partículas eletrostáticos: era muito perigoso e inviável operar com as altíssimas voltagens necessárias para os experimentos.
Solução: Então, o físico Ernest Orlando Lawrence idealizou um acelerador que, ao invés de acelerar partículas em uma seção reta, as aceleraria em uma seção circular (órbitas espirais), para que pudessem ser aceleradas várias vezes com pequenas voltagens. Esse acelerador ficou conhecido como Cíclotron.

A fotografia mostra o cíclotron de 60 polegadas no Laboratório de Radiação Lawrence da Universidade da Califórnia, Berkeley, em agosto de 1939. A estrutura de metal à esquerda é o enorme eletroímã da máquina.
Department of Energy. Office of Public Affairs, Public domain, via Wikimedia Commons
2º Problema: Com a evolução do cíclotron, era possível acelerar partículas cada vez mais, porém, para velocidades acima de 10% da velocidade da luz, os efeitos relativísticos se tornam relevantes. Como consequência dos efeitos relativísticos, ocorre uma diminuição do sincronismo entre o alternador e o movimento da partícula, que se agrava a cada volta, levando a energia a um valor constante.
Solução: Então, um dispositivo foi criado para solucionar o problema da barreira de energia do cíclotron, levando em consideração a mudança relativística. Esse dispositivo é o Sincrocíclotron. Com o sincrocíclotron, o cíclotron se tornou muito mais poderoso, conseguindo produzir feixes de partículas alfa com energia de 390 MeV (sincrocíclotron de Berkeley, 1946).

O núcleo magnético massivo do Synchrocyclotron do Space Radiation Effects Laboratory no Langley Research Center da NASA. O conjunto de 3000 toneladas (6 milhões de libras), 36′ x 21′ x 19,5′ de aço forjado serve como o coração do acelerador de prótons de alta energia de 600 milhões de elétron-volt.
NASA, Public domain, via Wikimedia Commons
3º Problema: Assim como no cíclotron, o sincrocíclotron precisava estar todo imerso em uma região de campo magnético, então, apesar de não haver limites para o aumento da energia obtida pelo sincrocíclotron, existiam muitas dificuldades tecnológicas e financeiras para se produzir enormes ímãs, pois, com o aumento da energia da partícula carregada, o raio de sua órbita aumenta, logo, necessitamos de um ímã cada vez maior.
Solução: Surge então uma ideia diferente e ousada em 1945, que propunha acelerar as partículas em um raio orbital fixo. Para fazer isso, era necessário variar o campo magnético conforme as partículas aceleram, fazendo assim com que a necessidade de um ímã cada vez maior fosse dispensada. Esse dispositivo ficou conhecido como Síncrotron.
![]() Visão geral do Cosmotron mostrando os ajustes finais para instalação da bobina principal. ENERGY.GOV, Public domain, via Wikimedia Commons |
![]() Setembro de 1996. ESTRUTURA DE BLINDAGEM DE TELHADO E TRANÇA DE EDIFÍCIO BEVATRON – Laboratório de Radiação da Universidade da Califórnia, Bevatron, 1 Cyclotron Road, Berkeley, Condado de Alameda, CA. See page for author, Public domain, via Wikimedia Commons |
Portanto, resolvidos os problemas de sincronia da partícula e da exigência de ímãs de tamanho e custos gigantescos, os síncrotrons são os aceleradores padrão atuais para a Física de partículas. O primeiro síncrotron foi o Cosmotron (Brookhaven, Nova York, 1952), sendo o primeiro a ultrapassar o limite de MeV, chegando a uma energia de 3 GeV. Em 1954, foi construído o Bevatron (Berkeley), operando com o dobro da energia do Cosmotron. Em 1960, o AGS (Alternating Gradient Synchrotron) substituiu o Cosmotron em Brookhaven, e este acelerava prótons a energias de 33 GeV.

Síncrotron de gradiente alternado no Laboratório Nacional de Brookhaven. O tubo que se estende pelo corredor (à esquerda) é o tubo de saída para um ímã analisador que curva o feixe de prótons em 25 graus para determinar a dispersão de energia dos prótons. Em primeiro plano, há uma caixa de visualização com tampas de Lucite sobre os mecanismos de acionamento. c. 1961.
ENERGY.GOV, Public domain, via Wikimedia Commons
Fermilab

O local do Fermilab de 6.800 acres abriga uma cadeia de aceleradores de partículas que fornecem feixes de partículas para vários experimentos e programas de P&D. Esta animação de 2 minutos explica como a fonte de prótons fornece as partículas que são aceleradas e viajam pelo complexo do acelerador a uma velocidade próxima à da luz. Os cientistas usam esses feixes para gerar prótons, nêutrons, múons, píons e neutrinos para várias áreas de pesquisa no local do Fermilab. Mais de 4.000 cientistas de mais de 50 países usam o Fermilab e seus aceleradores de partículas, detectores e computadores para suas pesquisas.
Fermilab, Reidar Hahn, Public domain, via Wikimedia Commons
Por muitos anos, o AGS foi destaque para a pesquisa em Física em altas energias, mas a disputa por altas energias era acirrada. Então, os EUA começaram a pensar no sucessor do AGS, para continuar acelerando partículas com energias ainda maiores. Em 1 de março de 1972, funcionários do Laboratório Nacional de Aceleradores, o qual recebeu o nome, em 1974, Fermi National Accelerator Laboratory, ou somente Fermilab, em homenagem ao físico Enrico Fermi, abriram as portas para uma nova era de compreensão do mundo em que vivemos, quando o acelerador conhecido como Main Ring (Anel Principal), com um raio de 1 km, acelerou um feixe de prótons de hidrogênio para a energia projetada de 200 Gev. O Anel Principal acelerou prótons a energias de 500 GeV a partir de 1976, mais que o dobro do programado inicialmente. Bons resultados produzidos pelo Anel Principal e a competitividade por altas energias, levaram à construção de um dos maiores e mais inovadores aceleradores de partículas até aquele momento, o Tevatron.
O Tevatron foi o primeiro colisor de prótons com antiprótons que rompeu a barreira de energia de 1000 GeV ou 1 TeV. Em 1987, entrou em atividade e tornou-se o acelerador de maior energia no mundo por quase 25 anos, chegando a energias de cerca de 2 TeV. CDF e Dzero são os dois detectores que os físicos usaram no túnel de Tevatron para observar colisões entre prótons e antiprótons. Cada detector possuía vários subsistemas de detecção que reconheciam os diversos tipos de partículas que surgiam de colisões próximas à velocidade da luz. Em 1995, físicos de ambos os experimentos observaram os primeiros quarks top produzidos pelos aceleradores. O programa de pesquisa Tevatron levou a inúmeras conquistas em tecnologia de detecção, aceleração e computação. Após uma extensa e saudável trajetória de busca por altas energias, a disputa entre o Fermilab e o CERN encerrou-se em 30 de setembro de 2011, quando o Tevatron foi oficialmente desligado.
Atualmente, o Fermilab está envolvido no experimento internacional para desvendar os mistérios dos neutrinos, o DUNE (Deep Underground Neutrino Experiment), que ainda está em construção. O DUNE é considerado o experimento mais ambicioso da história das pesquisas sobre neutrinos e buscará três grandes objetivos científicos: descobrir se os neutrinos podem ser a razão pela qual o universo é feito de matéria; procurar por fenômenos subatômicos que possam ajudar a realizar o sonho de Einstein de unificação das forças; e observar os neutrinos emergindo de uma estrela em explosão, talvez testemunhando o nascimento de uma estrela de nêutrons ou de um buraco negro.
Aceleradores no Brasil

Torre do acelerador de feixes de partículas Pelletron, parte do Laboratório Aberto de Física Nuclear do Instituto de Física da Universidade de São Paulo.
Erich Leistenschneider, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons
O primeiro acelerador de partículas no Brasil foi o Betatron, um acelerador de elétrons construído pelo professor Marcello Damy na Universidade de São Paulo (USP) em 1950. Na mesma época, foi construído um acelerador eletrostático do tipo Van de Graaff pelo professor Oscar Sala, também na USP. Tanto o professor Marcello Damy quanto o professor Oscar Sala foram discípulos do físico experimental russo naturalizado italiano Gleb Wataghin, que foi o físico responsável por desenvolver a Física no Brasil. Posteriormente, o acelerador Van de Graaff foi substituído pelo Pelletron, uma evolução do acelerador Van de Graaff, que começou a operar em 1972. No final dos anos 1960, iniciou-se a construção do Acelerador Linear da USP, que operou até 1993, produzindo feixes de elétrons da ordem de 70 MeV.
Atualmente, o Brasil possui o Sirius, um síncrotron de 4ª geração, localizado em Campinas (SP) e desenvolvido pelo CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais). O Sirius é a nova fonte de luz síncrotron brasileira, e também a maior e mais complexa infraestrutura científica já construída no país. A luz síncrotron é um tipo de radiação eletromagnética de alto fluxo e brilho que permite a realização de experimentos mais rápidos, com uma investigação detalhada de materiais. Essa luz é gerada quando aceleramos elétrons próximos à velocidade da luz e desviamos seu caminho por campos magnéticos. Por ter um vasto espectro, que vai da luz infravermelha aos raios X, possui grande versatilidade para realizar diversas análises e experimentos. O Sirius é um dos mais modernos aceleradores de elétrons do mundo, proporcionando o que há de mais moderno em análise de materiais e colocando o Brasil como referência nessa área.
![]() 04.07.2024 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Visita às linhas de luz do Sirius no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Campinas – SP.
Lula Oficial, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons
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![]() 14/11/2018. Campinas-SP. Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, participa da inauguração do acelerador de partículas Sirius. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons |
Links interessantes sobre Aceleradores de Partículas
Conteúdos em português
Vídeos
- Mônica Nunes, física formada na Unicamp e cientista do Fermilab, compartilhando um estudo sobre Múons. 20 min 37 min
- O canal Manual do Mundo no Sírius. 12 min 38 s
- Vídeo da FAPESP que conta sobre a construção do Sirius. 13 min 34 s
- Vídeo do Estadão que mostra em mais detalhes uma das estações experimentais do Sirius. 8 min 57 s
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Conteúdos em inglês
Vídeos
- Animação do complexo de aceleradores do Fermilab. 1 min 46 s
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