Divulgação científica – Física de altas energias

Como surgiu o maior laboratório de Física de Partículas do mundo…

Parte de um tubo de um acelerador do CERN com o logotipo do CERN.

flickr.com xlibber, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

 

       Após a Segunda Guerra Mundial, a ciência e a economia da Europa encontravam-se em uma situação crítica, o que ocasionou a partida de alguns cientistas para os Estados Unidos. Para reverter esse cenário, surgiu a ideia da construção de um laboratório de Física de altas energias. Com a ajuda da UNESCO, em 1952, foi criado um conselho provisório denominado “Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire” (Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear), de onde surgiu a sigla CERN, que foi mantida até hoje. Em 1954, com 12 Estados-Membros fundadores, nasceu oficialmente o CERN, como Organização Europeia para Pesquisa Nuclear.

          O CERN possuía duas metas principais: uma de longo prazo: a construção de um Síncrotron de prótons (PS) para assumir a liderança em altas energias; e uma de curto prazo: a construção de um Sincrocíclotron (SC), menos poderoso, para iniciar rapidamente a pesquisa em física de partículas e fornecer experiência na construção de um acelerador por uma colaboração europeia.

 

 

 

Os primeiros: Sincrocíclotron (SC) e Síncrotron de Prótons (PS)

          Em 1957, o primeiro feixe foi obtido pelo Sincrocíclotron (SC), onde prótons foram acelerados com energia máxima de 600 MeV. Sendo o pioneiro do CERN, o SC teve um papel fundamental na realização dos primeiros experimentos e é o acelerador que deu início a uma série formidável de aceleradores e colisores construídos no CERN. Em 1959, o Síncrotron de Prótons (PS) acelerou prótons, atingindo uma energia de 24 GeV, batendo o recorde do acelerador mais potente do mundo na época. No entanto, como vimos antes, esse recorde foi quebrado pelo AGS de Brookhaven em 1960. Posteriormente, o PS passou a ser utilizado como fornecedor de partículas para as novas máquinas que surgiriam, sofrendo modificações e aumentando a intensidade de seu feixe de prótons em mil vezes. Com suas duas primeiras metas cumpridas, o CERN partiu para o próximo passo, surgindo duas novas propostas: a construção de mais um PS, baseado no anterior, mas com energia de 300 GeV, nomeado Super Próton Síncrotron (SPS); e a construção do primeiro acelerador do tipo colisor, que seria uma máquina revolucionária e que causaria uma mudança total no desenvolvimento dos futuros aceleradores de partículas.

O Sincrocíclotron de 600 MeV no CERN, vista frontal.

Geek3, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Vista aérea do Síncrotron de Prótons de 28 GeV. O anel subterrâneo do síncrotron de prótons de 28 GeV em 1965. À esquerda, os salões experimentais Sul e Norte. No canto superior direito, parte do salão Leste. No canto inferior direito, a sala do gerador principal e os condensadores de resfriamento.

CERN, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons

O revolucionário e o grande: ISR e o Super Próton Síncrotron (SPS)

Anéis de armazenamento de intersecção (ISR).

Udpmprasanna, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons

          Até aquele momento, os experimentos realizados nos aceleradores de partículas consistiam em um feixe de partículas aceleradas direcionadas para um alvo parado, e se examinavam os efeitos das colisões. Porém, notou-se que seria possível obter energias muito mais altas se os feixes de partículas pudessem colidir de frente, um com o outro. Então, utilizando o conceito de ISR (Anéis de Armazenamento de Intersecção), que consiste em acelerar dois feixes de partículas em direções opostas, em anéis circulares, fazendo com que colidam nas intersecções desses anéis. O interesse do CERN no ISR consistia em colidir prótons a uma energia de 28 GeV cada, tendo 56 GeV de energia disponível para os resultados da colisão. Em um acelerador de alvo fixo, seria necessária uma máquina de energia 1700 GeV para conseguir o mesmo resultado. O ISR consiste em dois anéis concêntricos de ímãs com 300 m de diâmetro, onde os prótons viajam em direções opostas. Como o ISR precisava de uma grande área de terra para sua construção, o governo francês cedeu uma área ao lado do laboratório do CERN para a construção do ISR, visto que a área cedida pela Suíça não era suficiente. Assim, o CERN se tornou a primeira organização internacional que cruzou uma fronteira fisicamente. Então, em 1971, usando o ISR, o CERN fez pela primeira vez dois feixes de prótons colidirem. Esse tipo de configuração ficou conhecido como anéis de colisão ou colisores. Devido aos resultados promissores, o ISR mostrou uma nova direção para os próximos projetos. Com as experiências obtidas com o ISR, futuramente, elas foram aperfeiçoadas e utilizadas nas futuras máquinas do CERN.

 

O experimento UA2 no CERN SPS Collider em 1982, mostrando o calorímetro central e as duas tampas de extremidade na posição aberta.

Gtakanis, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

          O Super Prótons Síncrotron (SPS) era o projeto que ficaria na fronteira de altas energias, no lugar do PS, e era para ser construído junto com o ISR, mas devido à complexidade e divergências entre os Estados-Membros do CERN, sua construção foi adiada. Com a ideia de fazer uso do PS como injetor do SPS, o SPS, com um anel de 7 km de circunferência, começou a operar em 1976 com uma energia de 400 GeV. No entanto, devido ao longo tempo que o projeto levou para ser aprovado, o SPS já não era o maior acelerador de energia do mundo, perdendo para o Main Ring (finalizado em 1976) do Fermilab (EUA), que operava com energia de 500 GeV. Utilizando a experiência com o ISR, em 1976, o físico italiano Carlo Rubbia e seus colaboradores surgiram com a ideia de aumentar a energia do SPS, sem precisar mexer em seu tamanho, sendo necessárias apenas modificações na máquina. A ideia consistia em colidir prótons e antiprótons viajando em sentidos opostos, logo, seria necessário transformar o síncrotron de um feixe para um síncrotron colisor de dois feixes. Então, em 1978, o CERN aprovou este projeto, que ficou conhecido como SPP-S (Super Síncrotron Próton-Antipróton). As primeiras colisões do SPP-S ocorreram em 1981, e em 1983 foram descobertos os bósons W e Z. Descoberta que rendeu o Nobel de Física de 1984 para Carlo Rubbia e Simon van der Meer pelas contribuições decisivas para o grande projeto, que levou às descobertas dos bósons W e Z, mediadores da interação fraca. Essa conquista, além de ser um resultado muito significativo para a Física, garantiu a decisão de construir o próximo grande acelerador do CERN, o LEP (Large Electron Positron collider: Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons), cujo objetivo era produzir em massa os bósons W e Z para mais estudos.

 

 

 

LEP, o antecessor… 

          Até este momento, a evolução dos aceleradores se concentrou principalmente em prótons, mas podemos acelerar qualquer outra partícula, incluindo elétrons. A ideia de utilizar elétrons e pósitrons (anti-elétrons) surgiu do fato de elétrons não possuírem estrutura interna, o que permite experimentos mais precisos. Podemos dizer que, ao colidir prótons, o resultado visa a descoberta de novas partículas, enquanto ao colidir elétrons, os resultados visam o estudo minucioso do comportamento e das propriedades de partículas já conhecidas. Para a construção do LEP(Large Electron Positron collider), vários obstáculos precisavam ser superados, como o financeiro, pois quando elétrons são acelerados, há uma enorme emissão de luz síncrotron, causando grande perda de energia. Logo, para compensar essa perda, é necessário fornecer mais energia ao sistema, o que aumenta o custo da conta de eletricidade do laboratório. Então, em 1980, surgiu a proposta de usar os aceleradores existentes (PS e SPS) como injetores do LEP, o que se tornou uma grande vantagem estratégica ao manter todos os aceleradores juntos em um só lugar. O LEP, com 27 quilômetros de circunferência e quatro pontos com enormes detectores chamados ALEPH (Aparelho para LEP Física), DELPHI (Detector com Lepton, Photon e Hadron Identification), L3 e OPAL (Omni Purpose Apparatus para LEP), estudava o que acontecia em uma colisão elétron-pósitron. Tornou-se o maior acelerador de elétron-pósitron já construído, e a escavação do túnel do LEP foi o maior projeto de engenharia civil da Europa antes do Túnel do Canal da Mancha. Então, em 1989, o LEP foi ligado. O projeto possuía duas fases: LEP1 e LEP2. No LEP1, elétrons e pósitrons colidiram com energia suficiente para fornecer sua massa, por volta de 91 GeV, e o trabalho era produzir as partículas Z. Em 1995, o LEP1 chegou ao fim, dando início ao LEP2, que, com melhorias que minimizaram a perda de energia, fez a máquina atingir a energia de 190 GeV. O LEP2 tinha o trabalho de produzir as partículas W. Uma quantidade enorme das partículas Z e W foi produzida no LEP, possibilitando um estudo detalhado de suas propriedades, e confirmando as estimativas do Modelo Padrão da física de partículas. O LEP contribuiu enormemente para o estudo detalhado da interação eletrofraca. O bóson de Higgs também foi procurado na máquina, mas não foi encontrado. Então, em 2000, o LEP foi desativado, para dar lugar à construção da próxima máquina, o Large Hadron Collider, no mesmo túnel, que tinha como um de seus objetivos encontrar o bóson de Higgs.

Fotografia do detector DELPHI, usado anteriormente para o experimento LEP, localizado no CERN.

Anna Pantelia, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons

O espectrômetro de múons no detector L3 no LEP com as portas magnéticas abertas. L3 foi um experimento no colisor LEP (1989 a 2000).

CERN, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

LHC, o maior acelerador de partículas do mundo!

Túnel do Large Hadron Collider (LHC) do CERN com todos os ímãs e instrumentos. A parte mostrada do túnel está localizada sob o LHC P8, perto do LHCb.

Julian Herzog (Website), CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

          Chegamos então ao maior acelerador de partículas de todos os tempos, o LHC (Grande Colisor de Hádrons). A busca pelo bóson de Higgs era fundamental para o Modelo Padrão e foi um dos principais motivos para a construção do LHC, pois seu antecessor havia falhado nessa missão, assim como o Tevatron (antes do LHC, o maior acelerador do mundo) do Fermilab. O LHC é composto por um complexo conjunto de aceleradores, incluindo alguns aceleradores antigos do CERN, um anel de 27 km com quatro detectores de partículas: ALICE, ATLAS, CMS e LHCb. O complexo conjunto de aceleradores é utilizado para acelerar as partículas inicialmente, para depois serem injetadas no grande anel de 27 km. Os detectores são os locais onde ocorrem as colisões, atingindo, nas colisões, uma energia de 13 TeV. O LHC foi construído para acelerar prótons e íons pesados. Em 2008, antes dos primeiros testes, o mundo inteiro voltava sua atenção para o LHC, com cobertura da mídia e comunicados que chegaram a causar medo na população. Rumores como o de que a “máquina do apocalipse” geraria um buraco negro que engoliria a Terra foram propagados por uma mídia irresponsável. Assim, o CERN precisou emitir uma declaração oficial informando a ausência de riscos de buracos negros e que não havia razão para pânico quando a máquina começasse a operar. Naquele mesmo ano, um novo recorde foi estabelecido, ultrapassando o Tevatron e assumindo a liderança na área de altas energias. Em 2012, cientistas anunciaram a descoberta de uma nova partícula, que poderia ser o bóson de Higgs. Em março do ano seguinte, o CERN confirmou que a partícula descoberta era o bóson de Higgs, encerrando assim uma investigação de 50 anos!

Complexo de aceleradores do CERN. A Área Norte está localizada no centro do LHC.

Haffner, Julie, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons

O acelerador fica em um túnel de 27 km de circunferência (mostrado pelo círculo amarelo), a uma profundidade de 175 m abaixo da fronteira franco-suíça a noroeste de Genebra. A imagem foi adquirida em 26 de julho de 2012, cobre uma área de 14,2 x 15,4 km e está localizada a 46,3 graus de latitude norte e 6,2 graus de longitude leste.

NASA/METI/AIST/Japan Space Systems, and U.S./Japan ASTER Science Team, Public domain, via Wikimedia Commons

          Em 2018, iniciou-se uma nova atualização do LHC, que aumentará o potencial do acelerador. Com essa nova atualização, prevista para ser concluída em 2026, será possível investigar mais profundamente a história do Universo, examinar processos muito raros e estudar a Física de partículas com muito mais detalhes. Portanto, o futuro da Física de altas energias está no LHC!

ALICE

Andres T, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons

CMS

SimonWaldherr, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

ATLAS

SimonWaldherr, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

O Brasil no LHC

         Desde 1990, com base em um Acordo de Cooperação Internacional, o Brasil coopera formalmente com o CERN. Em 2024, foi concluído o processo de adesão do Brasil ao status de Membro Associado do CERN, tornando o Brasil o 1º país das Américas e o 3º país não europeu a fazer parte do CERN. A adesão do Brasil como Estado Membro Associado representa um marco no fortalecimento da cooperação científica internacional e no desenvolvimento da ciência e tecnologias de ponta do país. Assim, o Brasil se encontra em uma posição privilegiada, principalmente no contexto da física de partículas.

          O CNPEM e o CERN mantêm uma colaboração desde 2020 na área de supercondutores para o desenvolvimento de componentes para o Sirius. Agora, com a associação do Brasil ao CERN, a transferência de tecnologia alcançará outro patamar.

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