Equipe de Campinas cria receita de nanopartículas de prata e magnetita
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IGOR ZOLNERKEVIC | ED. 227 | JANEIRO 2015
A receita é simples. Misture sais minerais contendo prata e ferro com solventes orgânicos. Leve ao forno, aqueça cuidadosamente por cinco horas e voilà: um pó marrom, feito de grãos minúsculos, visíveis apenas com um microscópio eletrônico. Cada grão é formado por blocos com forma de paralelepípedo e dimensões da ordem de milionésimos de milímetros ou nanômetros (nm). A receita para sintetizar esses blocos foi criada por uma equipe liderada pelos físicos Kleber Pirota e Marcelo Knobel, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que os apelidaram de nanopartículas do tipo tijolo.
É a primeira vez que pesquisadores fabricam nanopartículas com formato de tijolo feitas de magnetita, o mineral dos ímãs de geladeira, contendo no interior um pequeno caroço de prata. “A forma, o tamanho nanométrico e a inclusão da prata intensificam as propriedades magnéticas da magnetita”, explica Pirota. “Além disso, a prata tem propriedades ópticas e bactericidas interessantes.”
Os físicos esperam que o novo nanomaterial seja útil à medicina por sua potencial ação bactericida e talvez para aprimorar uma nova terapia contra o câncer chamada de magneto-hipertermia. Em fase adiantada de testes clínicos na Europa e nos Estados Unidos, a magneto-hipertermia usa atualmente nanopartículas feitas só de magnetita, que são injetadas no sangue para combater algumas formas de câncer. A magnetita dessas nanopartículas é recoberta de moléculas capazes de grudarem apenas na superfície de células de tumores. Uma vez aderidas ao tumor, elas são chacoalhadas por um campo magnético oscilante. O atrito gerado pela agitação das partículas aquece as células tumorais até a morte. “A hipertermia pode queimar tumores em estágio inicial, sem prejudicar as demais células do organismo, como fazem a químio e a radioterapia”, explica Knobel, esclarecendo que seus nanotijolos de magnetita com prata seriam capazes de vibrar com mais intensidade do que as nanopartículas maiores e disformes, feitas apenas de magnetita e usadas nas terapias experimentais.
Para chegar à receita, os físicos da Unicamp trabalharam nela por quase 10 anos por meio de projetos financiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “É meio como cozinhar: primeiro põe isso, depois aquilo e vai mudando a receita até acertar”, diz Knobel. “Chegamos ao resultado graças a muita experiência e um pouco de sorte.”
De início, sua equipe usou as estratégias que todos os pesquisadores de nanomateriais geralmente adotavam para fabricar nanopartículas feitas de um metal nobre coberto por uma casca magnética. Fabricavam primeiro os “caroços”, aquecendo um sal de prata dissolvido em líquido até seus íons cristalizarem em nanopartículas com até 20 nm de diâmetro. No dia seguinte, os pesquisadores misturavam as nanopartículas de prata com sais ricos em ferro e aqueciam a solução, na esperança de que cascas grossas de magnetita crescessem em volta das nanopartículas.
Nanoflor
O resultado da receita em dois passos, porém, não eram nanopartículas do tipo “casca-caroço”. Em vez disso, era uma mistura de nanopartículas do tipo “flor”, com um miolo de prata cercado por “pétalas” de magnetita. “O núcleo de prata sempre ficava exposto, nunca conseguíamos cobri-lo com uma casca de magnetita”, explica Pirota. “Essas nanopartículas são interessantes para certas aplicações, pois a prata é bactericida. Mas não para a hipertermia, pois o caroço libera íons de prata que podem danificar outras células além das tumorais.”
Os físicos notaram, porém, que, quanto menores as nanopartículas de prata, mais pétalas de magnetita cresciam ao seu redor. O químico Román López-Ruiz e o físico Diego Muraca, colegas de Knobel e Pirota na Unicamp, tiveram então a ideia de “cozinhar” os sais de prata e ferro de uma vez só para impedir que as nanopartículas de prata crescessem demais. Assim, López-Ruiz e a mestranda Maria Eugênia Brollo finalmente prepararam a receita perfeita: aqueceram a solução com os sais por 40 minutos até atingir 200 graus Celsius, mantiveram essa temperatura por duas horas até pequenos caroços de prata se formarem e, em seguida, aqueceram por mais 20 minutos até 260 graus, mantendo essa temperatura por mais duas horas.
Santiago Figueroa, físico do Laboratório Nacional de Luz Síncroton, confirmou a presença de magnetita ao redor do caroço usando técnicas de luz síncrotron e Muraca obteve imagens das partículas em um microscópio eletrônico no Laboratório Nacional de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Os nanotijolos têm 13 nm de largura por 15 nm de comprimento, com uma espessura um pouco maior que o diâmetro da esfera de prata em seu interior (cerca de 4 nm).
Ainda não se sabe por que a receita funciona nem o motivo do formato retangular das nanopartículas. Os pesquisadores suspeitam que as nanopartículas de prata com tamanho inferior a 10 nm deixam de ser bons metais condutores de eletricidade. Abaixo desse tamanho, a prata se torna um material que isola cargas elétricas em sua superfície. Essas cargas ajudariam a aglomerar a magnetita ao redor, criando um tijolo de magnetita compacto e homogêneo. “Estamos tentando verificar essa hipótese”, diz Pirota.
“Ainda é cedo para saber se esse material tem potencial para ser usado na hipertermia magnética”, observa o físico Andris Bakuzis, da Universidade Federal de Goiás. Bakuzis coordena uma colaboração de 25 pesquisadores da região Centro-Oeste que usa nanopartículas em testes pré-clínicos de novas terapias médicas, incluindo a hipertermia. “O ferro da magnetita é absorvido e reutilizado pelo corpo, mas a prata é tóxica.”
Pirota está ciente da dificuldade. “Mesmo com o caroço totalmente envolto, íons de prata ainda podem atravessar a magnetita”, explica. Trabalhos de outros pesquisadores sugerem até que, estranhamente, o efeito bactericida de uma nanopartícula de prata totalmente coberta por magnetita seja até maior que o de uma nanopartícula apenas de prata. “Se esse resultado for confirmado”, conclui Bakuzis, “essas partículas podem ter grande potencial bactericida”.
Artigo científico
BROLLO, M. E. F. et al. Compact Ag@Fe3O4 core-shell nanoparticles by means of single-step thermal decomposition reaction. Scientific Reports. v. 4, n. 6839. 9 out. 2014.