Jornal da Unicamp No. 632, 2015
Leia artigo completo AQUI
Em um livro recente, Philip G. Altbach e colegas apresentam uma comparação criteriosa da remuneração de docentes universitários em diferentes países (Altbach et al., eds., Paying the Professoriate: A Global Comparison of Compensation and Contracts, / Remuneração de Docentes: uma Comparação Global de salários e Contratos, Routledge, 2012). Independentemente da pesquisa em questão, uma das principais conclusões do relatório foi que este tipo de informação é incrivelmente difícil de ser encontrada e sua análise é mais complexa ainda, devido a diferentes descontos e benefícios, concedidos por cada universidade, região ou país. Além disso, na maioria dos países desenvolvidos as trajetórias individuais das carreiras docentes são refletidas em salários diferenciados. Muitos países têm lutado no sentido de desenvolver um sistema de ensino superior sólido, e a atração de jovens motivados e talentosos é fundamental para o desenvolvimento futuro de uma cultura de excelência — necessária para apoiar a educação das futuras gerações. Contudo, no Brasil e em muitos países da América Latina há uma forte tendência contra a remuneração baseada em mérito acadêmico, particularmente nas universidades públicas onde é realizada uma parte considerável da pesquisa acadêmica. Neste artigo cito um exemplo de uma política pública do Estado de São Paulo que certamente afetará a atração de jovens talentos para suas universidades, colocando em risco o esforço da construção de um sistema de ensino superior de alta qualidade já em evolução há mais de 60 anos.
Em principio, dados sobre salários e remunerações deveriam ser de fácil rastreamento no Brasil, onde um código de relativa isonomia tem regido os salários no sistema de ensino superior. Apesar de diferenças na produtividade, ensino, impacto e sucesso na atração de recursos financeiros adicionais, a situação estabelecida indica que membros docentes no mesmo nível de suas carreiras devem receber o mesmo estipêndio mensal. Na prática, a situação é bem mais complexa, não apenas pelos aumentos de salários por tempo de instituição, mas também quando são adicionadas (e eventualmente incorporadas) remunerações por atribuições administrativas. Além disso, alguns membros docentes recebem renda adicional de bolsas, ou trabalho de consultoria. Para tornar as coisas mais complicadas, os salários variam enormemente pelo tipo de instituição — privadas com fins lucrativos, instituições federais públicas, privadas sem fins lucrativos, pública estadual, ou pública municipal.
LIMITAÇÕES NO TOPO
Um debate recente no Brasil levantou questões interessantes relacionadas aos salários de docentes de nível sênior nas universidades públicas do Estado de São Paulo (Universidade de São Paulo–USP, Universidade Estadual de Campinas–Unicamp, e Universidade do Estado de São Paulo–Unesp), instituições consideradas entre as melhores da América Latina, conforme evidenciado em diferentes rankings. Desde 2003, em cumprimento à legislação federal, o Estado de São Paulo vinculou os salários do setor público à remuneração de seu governador, cuja compensação representa o salário máximo pago a um servidor público estadual — conhecido como “teto salarial” do funcionalismo público estadual. Não é de surpreender que este teto possa ser ajustado em valores relativamente baixos por conveniência política, particularmente para prevenir gastos por parte do Estado. De igual modo, abre uma porta para políticas orientadas pelo populismo, embora na realidade o governador não dependa de um salário mensal, pois ele ou ela recebe outros benefícios financeiros (tais como moradia, motorista, refeições, etc.).
No Estado de São de Paulo, o salário bruto do governador é atualmente de R$ 21.631,05. Para termos de comparações internacionais, descontando 27,5% de impostos, o salário líquido máximo no Estado de São Paulo é de cerca de US$ 4.500,00 por mês, o que leva a um estipêndio líquido anual de cerca de US$ 60.000,00 (com base em 13 meses mais um terço de férias). Isso estabelece o salário máximo permitido para professores titulares e funcionários administrativos em nível sênior nas instituições do Estado de São Paulo, independentemente dos anos de serviços prestados, mérito, prestígio, responsabilidades administrativas, ou qualquer outro fator. Esses valores certamente não são competitivos internacionalmente.
Embora a lei atual que estabelece o teto date de 2003, a Suprema Corte do país decidiu recentemente que a legislação deverá ser aplicada, mesmo nos casos quando os salários estiverem acima do valor máximo permitido antes de 2003. Em curto prazo, espera-se que grande número de docentes e pessoal administrativo com condições necessárias para aposentadoria dê início ao processo, quando seus salários forem reduzidos. Pior ainda, será difícil encontrar docentes nos níveis mais altos da carreira dispostos a ocupar funções administrativas, tais como chefes de departamento, coordenadores de graduação, etc., sem a possibilidade de remuneração adicional.
O DESAFIO DE ATRAIR E RETER TALENTO
Obviamente, reclamações sobre limitações dos salários de docentes podem ser considerados como “politicamente incorretos” em um país onde o salário mínimo é de R$ 788,00 (US$ 225,00), e o salário médio está abaixo de R$ 2.100,00 (US$ 600,00). Um salário bruto de mais de R$ 20.000,00 está certamente no quintil mais alto. Em um país de enormes desigualdades sociais, fica claro que ser parte do corpo docente de uma universidade pública imediatamente posiciona o indivíduo no topo da pirâmide socioeconômica.
Contudo, de uma perspectiva diferente, esforços têm sido feitos durantes as últimas seis décadas pelo Estado de São Paulo e a nação no sentido de desenvolver pelo menos algumas universidades ditas de classe mundial. Essas universidades de pesquisa são essenciais para o desenvolvimento socioeconômico do país e, paradoxalmente, fundamentais para reduzir as fortes desigualdades na sociedade brasileira.
A estrutura salarial e o teto vigente, impostos sobre as universidades, impedem a possibilidade de atrair os melhores jovens talentos necessários para apoiar o desenvolvimento deste sistema universitário que é ainda muito jovem. Por certo, membros docentes jovens e brilhantes são fundamentais para a futura qualidade da pesquisa, ensino e extensão, e para manter a colaboração e a competitividade com o mundo globalizado. Como as universidades estaduais paulistas poderão manter o sucesso, a força, o impulso e o fôlego se não forem capazes de atrair e manter os melhores talentos?
Quanto vale um membro docente de nível sênior? O que faz um jovem talento escolher uma carreira acadêmica? No Brasil, assim como em ou-tros países, parte da resposta da escolha pessoal é a aparente liberdade acadêmica oferecida pelas carreiras do ensino superior. Contudo, pelo menos no Brasil, isso veio com outros benefícios, incluindo aposentadoria com salário integral (não mais vigente) e estabilidade no emprego (até quando?). Embora a estabilidade ainda permaneça, os salários no topo da ascensão profissional não são mais competitivos com empresas no setor privado (comércio, serviços, etc.). Além disso, se compararmos o salário máximo atingido após muitos anos de dedicação a uma universidade com seus equivalentes internacionais, as diferenças são demasiadamente grandes. Em um mercado global competitivo, isso tem uma importância tremenda.
POLÍTICA NACIONAL E EXCELÊNCIA ACADÊMICA
As universidades são, em princípio, um espaço privilegiado, onde a meritocracia deveria representar um papel importante. Na maior parte do sistema do ensino superior brasileiro, um membro do corpo docente pode ser muito bem remunerado sem necessariamente demonstrar um bom desempenho. Este fato drena a motivação de docentes mais produtivos. Além disso, a existência de um salário máximo pré-definido representa uma desvantagem para o caminho árduo de ter instituições de classe mundial. As universidades do Estado de São Paulo precisarão encontrar soluções criativas para vencer uma deficiência tão significativa para seguir avançando.
Limitar os salários no topo da carreira profissional, por razões políticas, que levam a desvantagens competitivas com alternativas no mercado de trabalho nacional e global, certamente prejudicará um sistema universitário ainda nascente, construído com esforço conjunto durante anos recentes. Infelizmente, esta questão é compartilhada por outros países em desenvolvimento que lutam para estabelecer um bom sistema de ensino superior. No caso de muitos países na América Latina, as universidades públicas são os principais atores no desenvolvimento da pesquisa e inovação. Estas universidades são fortemente regulamentadas por políticas nacionais que prejudicam a diferenciação acadêmica apoiada pela compensação financeira racional — tornando difícil a atração de jovens talentos para vida acadêmica, bem como membros docentes com perfis específicos. Embora deva ser claro, cabe destacar que os professores são o centro da academia, e seus envolvimentos, retenção, e motivação são elementos chave para a sobrevivência das universidades.