Artigo sobre moléculas fotônicas em publicação de grande impacto ocupa 1º lugar em downloads.

Artigo sobre moléculas fotônicas em publicação de grande impacto ocupa 1º lugar em downloads.

Para aliviar o gargalo da rede

As moléculas fotônicas, assim denominadas pelos pesquisadores da Unicamp que as desenvolveram, são tema de um artigo que ocupou o primeiro lugar no ranking de downloads do Photonics Journal do site do IEEE – Institute of Electrical and Electronic Engineers, em novembro. O IEEE é a maior sociedade científica do mundo, com mais de 400 mil associados.

O artigo se origina da pesquisa de doutorado de Luís Alberto Barêa, orientada pelo professor Newton Frateschi e que deve ser defendida até o final deste semestre no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW).

“Iniciamos este trabalho há cerca de dois anos e levamos alguns resultados para a CLEO [Conference on Lasers and Electro-Optics], onde despertou bastante interesse”, recorda Newton Frateschi, responsável pelo Laboratório de Pesquisa em Dispositivos (LPD). “A revista Photonics Journal tem grande impacto na área de fotônica e vem adotando a nova métrica de contar o número de acessos e de downloads dos trabalhos disponibilizados no site do IEEE. A surpresa foi ver nosso artigo no topo da lista com menos de um mês de publicação, quando o antecessor acumulava downloads desde agosto. Isso nos faz acreditar num bom impacto da pesquisa, que quebra paradigmas.”

Luís Barêa, autor da tese, explica que a chegada de novos equipamentos como smartphones e tablets, juntamente com a facilidade de acesso às redes sem fio, vem gerando um incessante aumento do tráfego de dados, por conta da quantidade de usuários e do tamanho dos arquivos. “Toda essa demanda cria a necessidade de aumentar a capacidade de transmissão em dez vezes a cada quatro anos. E, para que isso seja possível, os canais de DWDM [tecnologia que permite combinar dezenas de canais em uma única fibra] devem aumentar em cem vezes a cada oito anos.”

Para enfrentar este desafio, Newton Frateschi ressalta o papel da área de fotônica integrada, voltada basicamente ao desenvolvimento de processos sobre sinais ópticos para integrá-los num chip. “Isso é fundamental para habilitar futuras gerações de telecomunicações – e gerações, nesse caso, não significam décadas ou séculos, apenas poucos anos. O aumento exponencial da demanda por bits traz dois problemas sérios: o primeiro é o gargalo para que se fazer uma comunicação tão rápida; o segundo é a demanda energética para isso e, consequentemente, o custo que vai se elevando.”

O docente do IFGW acredita que uma solução está nas moléculas fotônicas, inspiradas em toda a eletrônica hoje integrada em um chip. “Hoje o microprocessador ocupa uma área de centímetros quadrados, quando antigamente seria necessário um equipamento gigantesco para conseguir desempenho semelhante. O mesmo é possível na fotônica, na qual a tendência, na parte de processamento, é o uso da tecnologia de silício, tão bem desenvolvida na eletrônica. O objetivo é produzir dispositivos capazes de conduzir e confinar a luz, ou então atrasar um sinal, a fim de separá-lo, modificá-lo ou combiná-lo.”

Na tese, Luís Barêa informa que dispositivos optoeletrônicos e fotônicos baseados em microrressonadores ópticos permitem confinar fótons fortemente, dentro de cavidades diminutas, proporcionando baixo consumo de energia, alta velocidade de processamento e altos tempos de vida fotônica. “Atualmente, esses dispositivos formam uma base para a próxima geração de circuitos fotônicos integrados e surgem como promessa para aliviar o gargalo da demanda de largura de banda dos sistemas de computação moderna.”

Entretanto, o autor do estudo ressalva que os atuais sistemas fotônicos, baseados em ressonadores na forma de anéis, possuem uma limitação fundamental por causa da estreita relação entre faixa espectral livre, fator de qualidade total e dimensões dos ressonadores. “Esta relação é traduzida em uma forte interdependência entre o espaçamento espectral, o tempo de vida fotônico e as dimensões destes filtros. Na pesquisa foi quebrada esta dependência empregando-se moléculas fotônicas fabricadas em silício sobre isolante (SOI). As moléculas são formadas por microanéis ressonadores internamente acoplados uns aos outros, economizando espaço no chip e aumentando o número de canais possíveis.”

O “quase átomo”

Newton Frateschi esclarece que ao se confinar espacialmente o fóton dentro de um ressonador, tem-se algo semelhante a um átomo onde o elétron fica retido espacialmente em torno do próton. “A semelhança entre as situações permite chamar esses ressonadores de ‘quase átomo’ – ‘quase’ porque o elétron não é extraído facilmente do átomo, ao passo que o fóton sim, de tal forma que deve haver um suprimento de fótons constante para manter o confinamento.”

A questão, segundo o professor da Unicamp, é que essas estruturas são feitas sempre separadamente. “O que há de novo em nosso trabalho é a produção do que resolvemos chamar de ‘moléculas fotônicas’. A ideia é combinar diversos tipos de ressonadores (ou ‘quase átomos’), acoplá-los uns aos outros e formar uma estrutura semelhante a uma molécula, que ao invés de elétrons em seu interior, possui fótons – e cujas propriedades dependem não só das propriedades dos ressonadores individuais, mas do acoplamento entre todos.”

Frateschi faz uma analogia com as moléculas dos compostos químicos, que sempre possibilitaram uma revolução na área de novos materiais. “Combinando os átomos da tabela periódica, temos uma infinidade de compostos que podemos produzir. Da mesma forma, quando produzimos, confinamos e combinamos ‘quase átomos’, cada qual com certa propriedade, surgem resultados impossíveis de se atingir com um único ressonador. E que permitem aumentar o poder de modulação da luz, armazenar micro-ondas (apesar de serem moléculas de luz) e prover atrasos consideráveis nos sinais, o que é importante para obter um tipo de memória fotônica.”

Para esta tese sobre moléculas atômicas foi possível utilizar os serviços de uma fabricante de circuitos integrados (foundry), que produziu os microcircuitos fotônicos seguindo os projetos enviados pelos pesquisadores. “O propósito foi utilizar essa tecnologia já existente e projetar novas estruturas que pudessem ser fabricadas na foundry e testadas aqui no nosso laboratório”, afirma Frateschi. “Nesses dois anos viabilizamos diversos tipos de processamentos fotônicos, além de produzir essas moléculas em espaços muito menores, ou seja, com uma integração muito maior e um custo proporcionalmente menor.”

Luís Barêa acrescenta que, paralelamente, o próprio grupo conseguiu fabricar seus dispositivos utilizando outras plataformas (não apenas em silício sobre isolante), como por exemplo, em nitreto de silício, que é igualmente interessante para integração de circuitos fotônicos. “O trabalho de doutorado, que termina neste semestre, começou com a proposta de reduzir as dimensões desses dispositivos e integrá-los usando a região interna dos anéis, o que tornou possível quebrar paradigmas. Além disso, mostramos capacidade de também fabricar estes dispositivos, dentro do LPD do Instituto de Física e do CCS [Centro de Componentes Semicondutores] da Unicamp. Deve-se salientar a participação dos professores Gustavo Wiederhecker e Thiago Alegre, além dos alunos Mário Souza, Guilherme Rezende, Felipe Valine e Paulo Jarschel, todos do LPD, em todas as etapas destes trabalhos.”

Impacto da pesquisa

De acordo com Newton Frateschi, a proposta anterior para modulação de luz em ressonadores, sem o uso de moléculas fotônicas, geralmente era limitada pela largura de linha das ressonâncias destes dispositivos. “Ainda não realizamos uma demonstração experimental de um modelador ativo, mas em relação ao que se propunha na literatura, mostramos que com as moléculas é possível armazenar uma modulação 2,75 vezes mais rápida que a largura de linha permitira, e com uma redução de 495 vezes nas dimensões do dispositivo. Além disso, essa considerável redução nas dimensões dos dispositivos permite que a criação da modulação fique mais simples, pois quando se quer modular um dispositivo muito grande, a capacitância é bem alta e exige circuitos de controle complexos.”

O professor do IFGW lembra que outro ganho se refere a uma aplicação conhecida como multicast, em que o sinal enviado com certo comprimento de onda pode ser dividido em vários canais, tornando possível entregar uma informação para vários destinatários. “No nosso caso, com a liderança do aluno Mário Souza, conseguimos demonstrar essa aplicação utilizando uma molécula com área pelo menos dez vezes menor que os dispositivos já fabricados, sendo que a potência exigida para o funcionamento também é muito menor em comparação a tudo o que já foi publicado. Estamos falando de dez vezes menos potência óptica, o que é bastante; no atual estágio dessa tecnologia, uma redução de 1% já seria muito importante. Realmente, isso quebra paradigmas.”

Mas um paradigma fundamental, como ressalta Frateschi, era que a separação entre ressonâncias dependia do tamanho dos ressonadores. “Ao combinar os dispositivos, podemos fazer essa separação da forma que queremos. Outro aspecto é o fator de qualidade das ressonâncias, relacionado ao tempo que a luz permanece dentro do dispositivo, sem se perder. Antes, quanto maior o ressonador, mais tempo a luz ali permanecia; nossa proposta tornou isso independente e podemos fazer um dispositivo bem pequeno, que ainda assim a luz permanecerá por bastante tempo.”

Em relação à originalidade da ideia, o docente admite que a possibilidade de combinar diferentes microcavidades para formar um tipo de molécula fotônica, de certa forma, já havia sido sugerida na literatura. “Um grupo de Stanford, por exemplo, mencionou a hipótese de misturar estruturas de cristal fotônico, acoplando uma à outra, como se fosse uma molécula. Porém, o fato de apresentarmos a possibilidade de combinação de ressonadores na forma de anéis sem aumentar a sua área, totalmente integrado ao silício e aplicá-los em processamento de sinais, deu a este trabalho bastante originalidade. Nosso grupo abriu novos caminhos permitindo criar uma engenharia espectral com alta qualidade mesmo reduzindo as dimensões dos dispositivos.”

A percepção de Newton Frateschi é de que o desenvolvimento das moléculas fotônicas veio viabilizar diversas aplicações na área de telecomunicações. “Recentemente, concluímos um terceiro trabalho com a aplicação das moléculas e temos vários outros em andamento. Gostaria de ter mais pessoas no laboratório para viabilizar, inclusive, protótipos tecnológicos em telecomunicações ou em outras áreas. Um exemplo é a sua utilização em sensores biológicos ou químicos, o que já estamos discutindo com universidades parceiras. O ofício do nosso grupo é em telecomunicações, mas começam surgir desdobramentos em outras áreas, naturalmente.”