História do grupo LMD (Laboratório de Materiais e Dispositivos) pertencente ao DFA do IFGW
O surgimento do grupo, fundado em 1987 pelo professor Sérgio Moehlecke, foi uma decorrência da descoberta dos supercondutores de alta temperatura crítica (“de alto TC”), no ano anterior. Até então, a supercondutividade só podia ser obtida a no máximo poucas dezenas de graus acima do zero absoluto, o que exigia que o material fosse resfriado com hélio líquido, que é proibitivamente caro.
Em 1986, foram descobertos materiais cerâmicos que se tornavam supercondutores acima de –196 graus Celsius. Isso ainda parece frio demais, mas essa temperatura pode ser obtida com nitrogênio líquido, tão barato que é diariamente jogado fora após experimentos em laboratórios de ensino. O sonho da resistência zero pareceu economicamente viável – ainda que obstáculos de ordem mais prática ainda impeçam o seu uso comercial para grandes estruturas, como fios longos.
Imediatamente, grandes quantidades de laboratórios do mundo todo passaram a investigar os novos supercondutores, chamados “de alta temperatura crítica”. No grupo de Ivan Chambouleyron (o Laboratório de Conversão Fotovoltaica), na Unicamp, Sérgio Moehlecke, passou a pesquisá-los e distanciou-se da linha de pesquisa principal do grupo, sobre memórias óticas (dispositivos que usam laser para registrar e ler informações). Fundou então um novo grupo, o do Laboratório de Materiais e Dispositivos.
As pesquisas pré-grafite – As atividades do novo grupo abrangiam, além da supercondutividade em alta temperatura crítica, o estudo das propriedades de filmes finos (finíssimas películas que podem chegar a poucos átomos de espessura), super-redes metálicas (formadas por repetição de camadas de poucos átomos de espessura de diferentes materiais, que exibem propriedades diferentes dos materiais comuns) e micromachining (um processo para “esculpir” no silício, por meio de corrosão controlada com alta precisão, as estruturas microscópicas necessárias para a fabricação de dispositivos microeleterônicos).
Em 1993, Iakov Kopelevitch foi convidado como professor-visitante a se juntar ao grupo com o apoio da FAPESP, vindo do Instituto Físico-Técnico A. F. Ioffe, em São Petersburgo, na Rússia, e de dois anos na Universidade de Bayreuth, na Alemanha. Naquela altura, o grupo pesquisava o estado misto dos supercondutores do tipo II, em que o campo magnético penetra na forma de vórtices, ou seja, quanta do campo magnético.
Destaca-se que o primeiro projeto temático FAPESP entre os grupos/laboratórios (GPOMS, LMBT e LMD) cujo título foi: “Supercondutores de Alta Temperatura Crítica” teve como coordenador o Prof. Sergio Moehlecke do LMD.
Um dos principais resultados do grupo na pesquisa do estado misto dos supercondutores de alta temperatura crítica (Bi2Sr2CaCu2O8+d) foi a descoberta que a transição de 1º ordem que ocorre na rede de vórtices não é devida a fusão da rede de vórtices [48] (veja lista de publicações do LMD no final do texto). Ou seja, descobrimos que existe uma rede rígida de vórtices em uma ampla parte do diagrama de fases H-T, bem acima do limite da transição de primeira ordem. Em 2007, um artigo publicado na Nature Physics [Nature Physics, vol. 3, (2007) 239-242] corrobora nossas descobertas, o autor diz: “Nossas observações são qualitativamente consistentes em relação ao diagrama de fase da fusão de rede de vórtices em altos campos magnéticos, para H < 0.1T, através das medidas de transporte”; medidas essas realizadas por nós.
Outro trabalho [22] de destaque nessa área foi a descoberta de um segundo pico na magnetização em baixos campos devido às instabilidades termomagnéticas tanto em filmes finos de nióbio como em cristais de Bi2Sr2CaCu2O8+d. Mostramos a dependência deste pico em relação ao tamanho do cristal e também ao passo do campo magnético, indicando assim que um mecanismo comum é responsável por esse segundo pico de magnetização nestes supercondutores.
A era grafite – Entre 1999 e 2000, reportamos a descoberta da supercondutividade local de alta temperatura, a transição do tipo supercondutor-isolante induzida por campo magnético como também o ferromagmetismo no grafite [27, 31, 32]. Podemos afirmar que o conjunto destas 3 publicações, mostrando resultados inéditos em grafite, foi o indutor da corrida pelo grafite e posteriormente o grafeno. Essas 3 publicações juntas somam mais de 300 citações até o momento. Estas descobertas foram destaque na revista Pesquisa FAPESP de maio de 2001. Link: http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2001/05/51_materiais.pdf
Entre 2001 e 2004, focado nos estudos dos materiais grafíticos, reportamos mais resultados originais: encontramos supercondutividade local com Tc em torno de 35 K em compósitos de grafite-enxofre em 2001 [39], e descobrimos outras propriedades incomuns em grafite, tais como a descoberta do efeito Hall quântico em 2003 [53], e de férmions de Dirac em 2004 [64].
Novamente, estes dois últimos trabalhos foram destaque na mídia. Na revista Pesquisa Fapesp 122 de abril de 2006. Link: http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2006/04/054-055-fisica.pdf
Diante do destaque e pioneirismo de nossas pesquisas aprovamos um projeto temático dentro do Programa PRONEX (Programa de Apoio a Núcleos de Excelência), um convênio entre a FAPESP e o CNPq, tendo o Prof. Iakov Kopelevitch como coordenador e que contou com recursos em torno de um milhão de reais.
Neste projeto temático intitulado “Supercondutividade e Magnetismo Não-Convencionais” foi estabelecida uma sinergia com outros pesquisadores (experimentais e teóricos) do IFGW (Prof. Dr. Pascoal J. Giglio Pagliuso, Prof. Dr. Carlos Rettori, Prof. Dr. Eduardo Granado, Prof. Dr. Eduardo Miranda, Prof. Dr. Amir O. Caldeira), como também com pesquisadores de outras instituições, tais como o Instituto de Física de São Carlos-USP (Prof. Dr. Klaus Capelle) e do Laboratório Associado de Sensores e Materiais do INPE de São José dos Campos (Prof. Dr. Enzo Granato). A vigência deste projeto se deu entre 2004 e 2008 e foram publicados aproximadamente 120 artigos, o que mostra o sucesso desta cooperação. Este projeto foi citado pela Revista Pesquisa Fapesp no link citado acima e destacado logo abaixo.
Nossas descobertas também foram destaque no “Le Monde” na França em julho de 2008.
link: https://www.lemonde.fr/planete/article/2008/07/05/le-carbone-avenir-du-silicium_1066840_3244.html
E também no Jornal da UNICAMP em julho de 2007.
Link: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju365pag03.pdf
Essas novas propriedades foram também observadas no grafeno, nas universidades de Manchester (Reino Unido) e Columbia (EUA), e já em 2005, e o número de artigos sobre o grafeno e o grafite aumentou drasticamente. Em 2010 foram publicados cerca de 2.500 artigos científicos sobre este material, e o Prêmio Nobel em Física de 2010 foi concedido para os físicos da universidade de Manchester pelos trabalhos realizados sobre o grafeno. Em sua palestra relacionada ao Prêmio Nobel recebido: “Random walk to graphene” [Reviews of Modern Physics 83, 851 (2011)], Andre Geim, enfatizou que os trabalhos desenvolvidos no LMD sobre a possibilidade de ferromagnetismo e supercondutividade em grafite despertaram grande interesse sobre este material, que posteriormente que os levaram (ele e K. Novoselov) a conquista do Prêmio Nobel de 2010.
De acordo com o Anúncio Oficial, o prêmio foi concedido por “experimentos inovadores em relação ao grafeno, um material bidimensional”. No entanto, antes do grafeno ter sido extraído do grafite e medido, as propriedades fundamentais das camadas de grafeno já tinham sido descobertas experimentalmente por nós [53, 64]. Os resultados obtidos em grafite foram a base sobre a qual os grupos de Manchester [Nature 438, 197 (2005)] e Columbia [Nature 438, 201 (2005)] construíram suas pesquisas. Diante disso enviamos uma carta ao comitê do Nobel, para que os laureados de 2010 citassem os nossos resultados originais [53, 64] e, portanto, restabelecessem o curso real dos eventos.
O pioneirismo de nossas pesquisas com o grafite diretamente relacionadas ao prêmio Nobel de Física de 2010 foi novamente destaque na revista Pesquisa FAPESP 177 de novembro de 2010.